Autor de ‘A Invenção de Hugo Cabret’ retrata família gay e Aids em novo livro infantojuvenil
“Para mim, não é um livro infantil sobre gays ou sobre Aids. É uma história sobre escolher uma nova família e conseguir se apaixonar.”
O escritor norte-americano Brian Selznick, 50, muitas vezes é como as suas histórias –deixa algumas mensagens nas entrelinhas, em uma camada mais profunda, inacessíveis a leituras superficiais.
O autor, que ficou conhecido mundialmente após seu livro “A Invenção de Hugo Cabret” ser levado ao cinema pelo diretor Martin Scorsese e vencer cinco estatuetas no Oscar de 2012, conversou com a Folha sobre seu novo trabalho infantojuvenil, “Os Marvels”, um catatau de quase 700 páginas que acaba de ser lançado no Brasil.
A história se divide em duas partes. Na primeira, desenvolvida exclusivamente com ilustrações, vemos como Billy Marvel sobrevive a um naufrágio e acaba se estabelecendo em Londres, onde sua família se firma por séculos como uma das mais importantes linhagens de atores do Teatro Real.
Na segunda parte, que tem apenas texto e nenhum desenho, acompanhamos o menino Joseph fugir do colégio interno para conhecer um tio desconhecido. Nesse contato entre gerações, ambientado no início dos anos 1990, Selznick introduz temas como um garoto-problema adotado por um casal de homens e infecções pelo vírus da Aids, numa época em que a doença começava a ser conhecida.
Tudo apresentado aos leitores de maneira sutil, mas firme, longe de transformar a obra em manifesto. “As pessoas geralmente já não se lembram da história da Aids e de seus desdobramentos. Crianças de hoje nem ficaram sabendo, o tema foi afastado delas. Por isso resolvi apresentá-lo, inspirado em um caso real, mas com cuidado de não produzir algo didático”, diz.
No posfácio, Selznick revela que muito da trama foi baseada em um casal que viveu de verdade em Londres –falar mais sobre isso e contar como as duas partes do livro se conectam seria estragar a surpresa do romance. Basta dizer que “Os Marvels” é o livro em que Selznick mais mistura pequenas verdades para criar uma grande ficção.
“O que me motiva é reunir fatos reais e ter a liberdade de combiná-los em uma história de ‘mentira’. Em ‘Hugo Cabret’, por exemplo, há o cineasta Geroge Meliès. Ele existiu, foi um dos precursores do cinema. Mas, no livro, é o meu George Meliès, não o personagem histórico”, conta.
Desse processo, nem a própria vida do autor escapa. É nessa hora que Selznick começa a trazer à tona o que está nas entrelinhas.
“Nós geralmente rompemos com a nossa família biológica para formar uma nova. No meu caso, nascido gay e adolescente nos anos 1980, demorei para perceber que as pessoas que eu amava poderiam formar minha nova família. Isso aparece nos meus personagens, que sempre buscam o seu lugar no mundo.”
Atualmente, o lugar do escritor no mundo é ao lado de seu marido, com quem se casou há cerca de dois anos. Na festa e na cerimônia, 200 amigos e crianças se reuniram com os noivos. “Foi o primeiro casamento da vida de muitos meninos e meninas que estavam lá. Eles provavelmente não vão se importar no futuro se um casamento tem dois homens, duas mulheres ou um homem e uma mulher –o importante vai ser ver duas pessoas que se amam.”
Mas, ao falar do ataque a uma boate gay em Orlando (EUA), em junho, quando 49 pessoas foram assassinadas, o otimismo fraqueja. “Vivemos tempos difíceis. Gosto de pensar que, ao ler ‘Os Marvels’, pessoas deixem de ver relações homossexuais como algo estranho ou perigoso.”
Eis as entrelinhas.
Leia aqui a entrevista completa com o escritor.
Autor e ilustrador Brian Selznick
Tradução Santiago Nazarian
Editora SM
Preço R$ 65 (672 págs.)
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