Crianças ajudam a criar dicionário de sentimentos que é distribuído gratuitamente

Bruno Molinero

Para Clara, 11, mau-humor é “acordar cedo, ir para a escola e ter aquela aula chata”. Liberdade é “quando você sai do castigo”, conta Kamille, 9. Já a felicidade é “um sorriso que não cabe no rosto”, define Alana, 12. E a tristeza? Segundo Mayra, 9, é “entrar no esconderijo secreto dentro de você”.

Todas as definições fazem parte do livro “Dicionário Ilustrado de Sentimentos”. Organizado pela autora Fernanda Salgueiro, o livro compila 39 emoções e seus respectivos significados, criados por mais de 300 crianças que vivem no Mato Grosso do Sul e no Paraná –no Estado, alguns dos entrevistados eram pacientes do Hospital Pequeno Príncipe, de Curitiba, que atende o público infantil.

Da instituição, por exemplo, veio a definição de urgência. Lucas, 9, explicou: “Urgência é quando não dá para esperar. Estou com fome, tenho urgência para comer.” Depois, Salgueiro ficou sabendo que o garoto estava em jejum para fazer um exame –e que, por isso, a urgência passou a ser também um sentimento.

“Tive a ideia quando li uma estatística que dizia que 80% dos não-leitores nunca tinham recebido um livro de presente. Decidi então criar projetos de incentivo à leitura”, diz a autora da obra, que é distribuída gratuitamente. 

Para chegar às definições dos sentimentos, Salgueiro fez oficinas, nas quais as crianças participavam de rodas de conversa, atividades de desenho e até partidas de “stop”. “Comecei com 12 sentimentos. Terminamos com 39, porque surgiam sempre palavras novas, como ‘nada’ ou ‘bugado’. No fim, preenchemos todas as letras do alfabeto.”

Cada verbete vem com uma definição escrita pela escritora a partir da conversa com os meninos e meninas entrevistados e com outra explicação mais curta e direta do sentimento. Vergonha, por exemplo, “é ter vontade de ficar invisível para ninguém ver a gente”. Por fim, há ainda a frase de uma criança, ensinando como usar aquela palavra. “Quase morri de vergonha quando tive que falar no primeiro dia de aula”, escreve Carol, 11, na página da emoção.

O livro tem influência direta de um dicionário que ficou bastante famoso no mundo todo há cerca de quatro anos: “Casa das Estrelas”, do professor colombiano Javier Naranjo, que pediu que crianças do país definissem palavras como “adulto” (“Pessoa que, em toda coisa que fala, vem primeiro ela”, segundo Andrés, 8), corpo (“É no que colocamos a roupa”, Camila, 7) e tempo (“É hora, é demora”, Ligeya, 9). No Brasil, a obra foi publicada pela editora Foz.

“A diferença é que esse tem tema livre. No dicionário, além de fechar nos sentimentos, busquei uma linguagem própria, sem me prender a detalhes. Não importava se determinada palavra era realmente um sentimento ou um adjetivo –a ideia era mergulhar na realidade das crianças”, diz.

Mas nem tudo no livro é fruto da imaginação infantil. Na falta de algo para a letra “J”, o fotógrafo de uma das oficinas propôs a palavra “jururu”. “Quando falou aquilo, nenhum dos meninos sabia o significado. Mas muitos tinham ouvido o avô dizer. Então pedi para o meu pai inventar uma frase com a palavra”, lembra a autora. Antonio, 72, saiu-se com essa: “O Vinicius chegou da escola tão jururu hoje, o que será que aconteceu com ele?”

O dicionário recebeu incentivo do governo via lei Rouanet e foi publicado com tiragem de 2.000 exemplares. Num primeiro momento, será distribuído gratuitamente para as crianças que participaram das oficinas, para as bibliotecas estaduais do Paraná e para a Secretaria de Educação do Mato Grosso do Sul.

O excedente será doado para escolas, bibliotecas, espaços culturais e pessoas interessadas, que devem entrar em uma fila de espera –interessados devem mandar uma mensagem para a autora pela página do projeto no Facebook.

“A tiragem é limitada, não vou conseguir atender a todos. Por isso tenho interesse em publicar também por uma editora e aumentar o alcance. Minha preocupação é só manter o espírito da proposta, que é de incentivo à leitura. Uma ideia é que todos os compradores do dicionário, se ele sair mesmo por uma editora, acabem financiando a doação de outro exemplar para alguma instituição. Ainda não sei se é viável, mas pode funcionar”, diz.

 

“Dicionário Ilustrado de Sentimentos”

Autora Fernanda Salgueiro

Ilustrador André Mendes

Editora edição do autor

Preço gratuito (2017; 88 págs); livros podem ser solicitados pela página do Facebook

Leitor iniciante + leitura compartilhada

 


GOSTOU?

Clique aqui e receba todas as novidades por e-mail

Você pode entrar em contato com o blog pelo e-mail blogeraoutravez@gmail.com

Ou pelo instagram @blogeraoutravez

 

Conheça outros posts