Criança tem que ser obediente? Ou pode ser uma pestinha?
A questão é mais velha do que o rascunho da Bíblia, mas ainda dá pano para manga –sobretudo nesta quinta (12), Dia da Criança: a infância é a fase em que se deve aprender a moral e os bons costumes ou o período da vida ideal (único, talvez) para subir em árvore, pregar peças nos adultos, se sujar e fazer todo o tipo de traquinagem sem medo de ser feliz?
Como este blog é de literatura e não de pedagogia, recorro a dois livros lançados neste ano: “O Livro das Virtudes” e “Os Piores Pirralhos do Mundo”.
O primeiro é o relançamento de um título que ficou entre os mais vendidos no Brasil nos anos 1990, quando chegou a vender mais de 500 mil exemplares, e que agora foi reunido em um box com dois volumes em capa dura pela editora Nova Fronteira.
A estrutura é a mesma: cada capítulo traz um tema, que recebe uma breve explicação do autor, exemplificada em seguida por textos de escritores consagrados. Tudo com um verniz conservador. E não poderia ser diferente, já que o autor é o norte-americano William J. Bennett, que foi ministro da Educação e diretor do Departamento de Controle de Drogas no governo republicano de George Bush pai, nos anos 1980.
No livro, disciplina é “quando o indivíduo se torna ‘discípulo’ de si mesmo”. Trabalho “é o esforço aplicado”. Sobre o casamento, ele dispara: “Há muitas obrigações na vida, mas poucas são mais importantes do que quando aceitamos nos tornar marido ou esposa, pai ou mãe”.
Logo após essas máximas, que poderiam ter saído de livros de auto-ajuda, textos procuram exemplificar os conceitos. E aí vale de tudo: Shakespeare, a Bíblia, Esopo, Martin Luther King, La Fontaine –além, claro, de autores brasileiros como Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e Vinicius de Moraes, incluídos especialmente para a edição nacional.
Tudo com um objetivo claro. Mais do que o prazer da leitura, os dois volumes têm uma função pedagógica e moralizante que visam produzir crianças boazinhas. “As histórias, poemas, ensaios e outros escritos apresentados aqui têm o objetivo de alimentar a cultura moral”, alerta a introdução. A criança é como uma folha em branco que precisa ser preenchida com ensinamentos e exemplos valorosos.
Se for assim, talvez os personagens de “Os Piores Pirralhos do Mundo” devessem ter lido “O Livro das Virtudes”. O texto do escritor e ator britânico David Walliams traz dez meninos e meninas que cultivam piolhos na cabeça, criam a maior meleca de nariz do mundo, soltam pum e nunca tomam banho.
As malcriações e bagunças fazem o leitor morrer de rir –e deixam de cabelo em pé quem deseja uma infância certinha e bem arrumada. Caso, por exemplo, de um personagem carrancudo que aparece no final de cada história com uma mensagem indignada. “Essas crianças só vão ficando piores!”, “Nojento como meleca!”, “Proíbam o arroto do traseiro!”, reivindica ele.
Mais do que uma apologia a esses comportamentos, o livro usa o humor para gerar reflexões. Afinal, talvez não seja uma boa ideia parecer a Sofia do Sofá, que tem os olhos ardendo de tanto ver TV e o dedo molenga de tanto trocar de canal. Ou a Suzie Imunda, que tem meias fedidas e nuvem de chulé.
Mas faz isso sem nenhum tom professoral ou edificante. Talvez para não correr o risco de se tornar o Sérgio Sério, que está sempre de cara feia, com roupas sem graça e não consegue rir nem de uma trupe de palhaços no circo.
Autor William J. Bennett
Tradutores Angela Lobo de Andrade, Aline Lobo de Andrade e Ricardo Silveira
Editora Nova Fronteira
Preço R$ 149,90 (2017; 1.328 págs., box com dois volumes)
Indicação Leitor avançado + leitura compartilhada
“Os Piores Pirralhos do Mundo”
Autor David Walliams
Tradutora Regiane Winarski
Ilustrador Tony Ross
Editora Intrínseca
Preço R$ 49,90 (2017; 272 págs.)
Leitor iniciante + leitura compartilhada
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