Tradução inédita de ‘O Pequeno Príncipe’ feita por Mario Quintana é publicada após quase 70 anos

Bruno Molinero

Um dos casos mais curiosos da literatura brasileira chegou às livrarias recentemente: a tradução “perdida” do clássico “O Pequeno Príncipe” feita pelo escritor Mario Quintana (1906-1994), que ficou quase 70 anos engavetada e desconhecida do público.

Além de jornalista e poeta, Quintana era um tradutor ativo e trouxe para o português textos de autores como Balzac, Voltaire, Virginia Woolf e Proust –deste último, inclusive, alguns volumes de “Em Busca do Tempo Perdido”. O que pouca gente sabia é que ele também havia se debruçado sobre “O Pequeno Príncipe” no fim dos anos 1940.

A história do menino, da raposa e do piloto de avião, que marcou infâncias mundo afora e é citado em onze de cada dez concursos de miss, havia sido publicada poucos anos antes, em 1943, pelo francês Antoine de Saint-Exupéry, em uma primeira edição lançada em Nova York e ilustrada com aquarelas do próprio autor.

 

No Brasil, o livro foi sair apenas em 1952, pelas mãos da editora Agir, que encomendou a tradução que se tornou a mais famosa até hoje, feita pelo monge beneditino dom Marcos Barbosa (1915-1997), integrante da Academia Brasileira de Letras. Só que, mais ou menos nessa época (e, segundo alguns, talvez até um pouco antes de Barbosa), Mario Quintana também estava traduzindo “O Pequeno Príncipe” para a Melhoramentos.

Não está muito claro como a editora fundada em 1890 acabou perdendo a corrida pelos direitos da obra para a Agir. Mas aconteceu, e ela teve apenas uma saída: guardar a versão do poeta gaúcho em seu acervo até que o principezinho entrasse em domínio público, o que aconteceria apenas 70 anos após a morte de Exupéry, em 2015.

Nesse meio tempo, o original de Quintana ficou nos armários da Melhoramentos, dentro de uma pasta. Estava pronto, revisado pelo tradutor, com anotações feitas à mão e trocas pontuais de palavras. E “O Pequeno Príncipe” alçou voo. Foi traduzido para mais de 200 idiomas e ultrapassou os 140 milhões de exemplares no mundo todo. Por aqui, chegou a bater a marca de 300 mil cópias por ano –vale lembrar que as editoras quase soltam fogos de artifício quando um título bate a marca de 3.000 exemplares.

Pasta onde estava a tradução de Mario Quintana para ‘O Pequeno Príncipe’ (Divulgação)

 

Quando o domínio público finalmente chegou, todas as livrarias foram invadidas pelo personagem, que aparecia em versões temáticas da Turma da Mônica, em edições para colorir, na forma de livro de bolso e em novas traduções, como a feita pelo poeta Ferreira Gullar, morto em 2016, publicada pela mesma editora Agir.

Era a hora certa para lançar a versão de Quintana? A Melhoramentos achou que não e resolveu esperar um pouco mais. O original, que chegou a ser esquecido pela editora e só foi redescoberto por acaso na década de 1980, poderia ficar na gaveta uns meses a mais. A ideia era esperar até que a overdose de Pequenos Príncipes fosse superada.

Mas, afinal, valeu a pena esse mistério de 70 anos?

Só pela história da tradução perdida e por ter acesso a um texto inédito de Mario Quintana após 23 anos de sua morte, pode-se dizer que sim. Além disso, a criança ou mesmo o adulto que nunca leu “O Pequeno Príncipe” poderá ter contato com uma versão que se preocupa em preservar o estilo mais poético de Exupéry.

Como aponta o escritor e professor Armindo Trevisan em texto publicado no fim da nova edição, Quintana consegue manter a simplicidade, a transparência e a luminosidade do autor francês. E também uma dose de duplicidade. “Quintana não ‘traduziu’ ‘O Pequeno Príncipe’ apenas com as qualidades de estilo do autor; ele soube torná-lo tão brasileiro quanto possível”, escreve.

Por outro lado, quem já leu a obra tem uma boa oportunidade de reler a história em um texto com poesia mais aflorada, mas com algumas estranhezas. Quintana opta por outras soluções e quebra algumas frases que acabaram se tornando clássicas. Caso do “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”, figurinha carimbada atualmente nas redes sociais, que os leitores irão encontrar em outra construção: “És responsável, para sempre, pelo que domesticaste”.

 

“O Pequeno Príncipe”

Autor Antoine de Saint-Exupéry

Tradutor Mario Quintana

Editora Melhoramentos

Preço R$ 45 (2017; 128 págs.)

Leitor intermediário + leitura compartilhada

 

 


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