‘Ilustrador é um autor que escreve com imagens’, diz Fernando Vilela; leia entrevista
“A ilustração ganhou o estatuto de arte contemporânea”, repete o autor e ilustrador Fernando Vilela. Se é assim, ele lançou duas “exposições” importantes neste ano: uma inédita e uma baseada em seu mais famoso trabalho.
A nova é “Contêiner”, livro publicado pela editora Zahar em abril deste ano, com uma história que passa por portos e navios de carga no mundo todo. A outra é o relançamento do premiado “Lampião e Lancelote”, pela mesma editora.
Vencedor de três prêmios Jabuti, a obra havia sido lançada em 2006 pela Cosac Naify e fala do encontro e da batalha entre esses dois personagens –ambos heróis de muitos folhetos de cordel. “Receber um prêmio é muito estimulante, reforça o trabalho. Mas, ao mesmo tempo, é muito relativo”, diz Vilela em entrevista ao blog.
Leia abaixo.
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FOLHA – O que mudou na ilustração de livros no Brasil nos últimos anos?
Fernando Vilela – Houve uma grande mudança. Primeiro porque a impressão gráfica evoluiu bastante no Brasil. Agora há uma preocupação maior das editoras em fazer trabalhos sofisticados esteticamente. O livro infantojuvenil, que eu prefiro chamar de livro ilustrado, está nesse barco de sofisticação e busca por novas estéticas. Muitos artistas acabaram entrando nesse universo, o que acaba dando ao livro uma força gráfica que não existia antes.
O ilustrador hoje é um mestre da arte narrativa. Não deixa de ser um autor que escreve com imagens. No Brasil, especificamente, o livro ilustrado tomou caminhos muito experimentais, com identidade própria, apropriando-se de elementos estéticos indígenas, afrobrasileiros, da gravura do cordel. A ilustração ganhou o estatuto de arte contemporânea.
A figura do autor-ilustrador é uma tendência?
O autor-ilustrador é uma figura que já existe há muito tempo. Desde o final do século 19. Mas hoje existe uma abertura maior do mercado, e o autor-ilustrador acaba tendo mais liberdade e autonomia –ele pensa o texto e a imagem juntos, ao passo que o escritor só de palavras depende da parceria com alguém que crie a parte visual da obra.
Mas o ilustrador, em qualquer sentido, é também um autor. Temos artistas que não escrevem, dependem de escritores. Mas, mesmo assim, têm uma força autoral gigantesca. Às vezes até maior do que muitos ilustradores que criam textos. A Marilda Castanha e o Andrés Sandoval são exemplos.
O que vem primeiro na hora de criar um livro: o texto ou a ilustração?
A história. É como em um filme: aparece uma sequência narrativa. No livro “Contêiner”, tive ideias de várias sequências. Em “Lampião e Lancelote”, pensei primeiro no duelo. Sempre muito visual, com o Lampião inserido na imagem do cangaço, e Lancelote com uma armadura. Só depois veio o texto.
Nesse caso específico, depois do texto pronto, precisei refazer muitas das ilustrações. Porque percebi que tinha ilustrado cenas que acabaram sendo escritas. Para não ficar redundante, criei outras imagens.
“Contêiner” fala sobre o mundo globalizado a partir dos navios de carga. Faz sentido falar disso para crianças com a explosão da internet?
A cultura tem peso. A gente vive em um mundo virtual do ponto de vista da informação, mas, ao mesmo tempo, transportamos nossas culturas pelo mundo: computadores, geleias, petróleo, o que seja. A gente vive em um mundo globalizado, onde matérias se deslocam. E os navios são os principais transportadores dessas matérias, dessas culturas. Acho que a gente não pensa muito nisso. Principalmente as crianças.
No supermercado, você jamais se pergunta qual caminho aquela nectarina que veio da Espanha percorreu. Ou a maçã que veio da Argentina, o damasco da Turquia. Acho isso fascinante. “Contêiner” abre uma possibilidade de leitura do mundo contemporâneo. Tanto que, no final do livro, fiz questão de colocar o tempo de deslocamento entre os países e as distâncias percorridas. São curiosidades interessantes.
Seus livros são para crianças?
O livro ilustrado sempre ganha o rótulo de infantojuvenil. Se tem muita ilustração e pouco texto, cai no infeliz rótulo de infantil. As classificações são perigosas. Porque temos histórias ilustradas para todas as idades. Por isso, não penso na criança ou na idade do leitor quando crio um novo projeto. Faço o livro como uma pintura, uma fotografia. “Lampião e Lancelote”, por exemplo: é um livro infantojuvenil, de poesia, de arte? O Picasso não pintava pensando em adultos ou crianças. Os museus não classificam suas obras por faixa etária.
Acontece é que o grande mercado editorial que temos hoje é o de livros infantojuvenis. Por isso, a obra acaba caindo nesse grande chapéu.
‘Lampião e Lancelote’ recebeu diversos prêmios. Qual a importância das premiações para a literatura?
Receber um prêmio é muito estimulante, reforça o trabalho. Mas, ao mesmo tempo, é muito relativo. Eu não recebi prêmios por livros que acho muito bons. As decisões são feitas por pessoas, por conselhos, grupos que compartilham de certos valores estéticos. Histórias geniais não foram premiadas porque os curadores não admiravam a estética da obra. Prêmio é bom, mas ao mesmo tempo é nada.
Está trabalhando em novos projetos?
Sempre, mas nunca sei se eles vão sair do papel ou quando vão ser lançados. Sou meio supersticioso. Se falo sobre uma ideia inédita, acho que ela pode não dar certo.
“Contêiner” e “Lampião e Lancelote”
Autor Fernando Vilela
Editora Pequena Zahar
Preço R$ 49,90 (‘Contêiner’) e R$ 54,90 (‘Lampião’)
Leitor intermediário + leitura compartilhada
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