Bruna Beber traduz 11 livros infantis em um ano, de Dr. Seuss a Lewis Carroll; leia entrevista

Bruno Molinero

Quando um livro infantil chega às livrarias, o mais comum é ver na capa e em letras garrafais o nome do autor e o de quem fez as ilustrações. Mas, no caso dos títulos internacionais, existe uma figura pouco lembrada e que pode ser determinante para a qualidade da história: o tradutor.

“Não sei dizer o quanto é tradução e o quanto é algum tipo de criação. As coisas se misturam, é sempre um equilíbrio”, diz a escritora Bruna Beber, que traduziu no último ano 11 obras para o público infantojuvenil, muitas delas de nomes fundamentais como Dr. Seuss e Lewis Carroll.

Do primeiro, foram sete livros para a Companhias das Letras. Estão nas livrarias “O Lorax”, “Horton Choca o Ovo” e “O Gatola da Cartola”. No fim do mês, é a vez de “Como o Grinch Roubou o Natal”. Em 2018, serão publicados “A Guerra com Pão de Manteiga” (fevereiro), “Ah, os Lugares Aonde Você Irá!” (março) e “Ah, os Pensamentos que Você Pode Pensar” (abril). Lorax e Grinch são mais conhecidos no Brasil por causa dos filmes inspirados em suas histórias.

De Carroll, saiu pelo selo infantojuvenil da Record “A Caça ao Snark”, que o criador de “Alice no País das Maravilhas” escreveu no século 19. Além desses, há mais obras infantis para a Intrínseca previstas para 2018. Isso sem contar “Os Molambolengos”, de Evangeline Lilly, que saiu no Brasil pela editora Aleph em 2015.

Em comum, são todas obras em verso, o que foi um dos motivos para que Bruna tenha sido escolhida para as traduções. Seu último livro de poemas, “Ladainha”, foi lançado em junho pela Record.

Leia abaixo entrevista com a poeta e tradutora sobre literatura para crianças, traduções e a relação desse trabalho com a poesia.

 

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NOME Bruna Beber // IDADE 33 // LIVRO FAVORITO NA INFÂNCIA “O Menino Maluquinho”  (Foto: Elisa Mendes/Divulgação)

 

FOLHA – Como surgiu a proposta de traduzir sete livros do Dr. Seuss?

Bruna Beber – Veio da própria Companhia das Letras. O Dr. Seuss é uma referência nos Estados Unidos, mas não é muito conhecido por aqui. Está longe de ser a referência que é lá fora. Queriam uma nova tradução para os títulos que já estavam no catálogo, além de lançar alguns inéditos. Como são sete ao todo, tive que entregar um livro por mês.

 

São livros que se preocupam muito com a linguagem. Não deve ter sido fácil manter esse ritmo de tradução.

Foi pesado. Principalmente no começo. Depois você vai se acostumando, se ambientando com o universo que ele criou. Comecei com “O Lorax”. É um livro dos anos 1970, mas que poderia ter sido escrito ontem. Além da tradução, fiz também as quartas capas. São sete poemas no fim dos livros. Não estão assinados, mas fui eu que produzi.

 

Já tinha entrado em contato com a obra do Seuss?

Não muito. Por isso foi maravilhoso, tudo era novo. E foi dando a responsabilidade de fazer algo à altura dele. Pesquisei muito, vi todos os filmes…

 

Os filmes ajudaram na tradução?

Foi mais por curiosidade. Eles mudam um pouco as histórias, criam protagonistas, heróis, namoradinhos. É legal ver isso. Mas “O Lorax” até que respeita um pouco do texto original.

 

Como é traduzir para o português o vocabulário do Seuss, que adorava inventar palavras, brincar com trocadilhos, fazer diferentes rimas?

É um vocabulário incrível, cheio de termos que ele criou. Fui entrando nesse mundo como uma criança. Como ele era muito inventivo, os livros não são nada engessados e me deram a oportunidade de recriar. Fiquei bastante à vontade em trazer o universo para o português do meu jeito. Foi uma aposta que coloquei em prática logo no primeiro –se a editora reclamasse ou quisesse algo mais fechado, eu daria um passo atrás nos outros seis. Tentei colocar tudo o que pudesse deixar a história mais louca.

 

Como essa loucura é captada pelas crianças? Foi uma preocupação?

Não tenho filhos, mas tenho crianças por perto. E a grande maioria é completamente louca. Tudo o que você apresenta, mesmo que seja algo novo, é captado.

Fiz o teste com as filhas da minha prima, que moram no Rio. Uma tem seis anos e a outra tem quatro. Deixei as duas lendo “O Lorax”. Estava morrendo de medo, sem saber se os termos que inventei estavam claros. Queria ver se as “trufulárvores” que dão “frútulas” iriam dar um nó na cabeça delas  A mais velha terminou o livro em 40 minutos e adorou. Morreu de rir. E ficou me questionando por que traduzi aquilo daquele jeito, por que tinha escolhido certas palavras, como era o original, o que queria dizer.

 

Interessante, porque nem sempre as crianças percebem que existe um tradutor por trás do livro.

Enquanto traduzia, sempre pensava que gostaria de ter lido livros muito mais inventivos quando eu era criança. Tudo era muito careta. Minha ideia sempre foi traduzir de modo que os livros continuassem a ser instigantes como são no idioma original, pensando na menina curiosa que eu era, que certamente iria achar os trocadilhos engraçados.

 

Quanto de criação existe na tradução?

Nunca quis me distanciar do original. Você não pode perder as belezas que o autor já deu. Porque, aí, acho melhor escrever um livro infantil próprio, né?

Por outro lado, algumas coisas precisam ser recriadas. Não tem jeito: você precisa trazer certas referências para o seu leitor. Precisa ser divertido para uma criança do Brasil, que fala português. Eu não sei dizer em termos de porcentagem o quanto é tradução e o quanto é algum tipo de criação. As coisas se misturam, é sempre um equilíbrio. Tento não sacanear o autor, mas também não quero perder a minha poética. Não deixa de ser um trabalho autoral.

 

Como assim?

Lembro, por exemplo, que demorei para achar uma solução para o lugar onde o Lorax vivia, que no original é “Lifted Lorax”. Acabei optando por “Logradouro do Lorax”. Muito pela sonoridade. Se ele usa palavras que rimam ou coloca dois termos inventados que começam com a mesma consoante, por exemplo, eu tento manter isso.

Ilustração do livro “Como o Grinch Roubou o Natal”, que será lançado no fim de novembro (Divulgação)

 

Existia já uma tradução do Seuss anterior à sua, publicada pela própria Companhia das Letras. Chegou a lê-la?

Li, claro. No começo fiquei apreensiva, mas depois percebi que aquilo era uma fonte para mim. O que achava legal, mantive de alguma forma. E procurei novas soluções para o que, na minha opinião, não funcionava bem. Cada um tem uma compreensão do texto.

 

Outro autor que traduziu foi o Lewis Carroll. Como foi passar para o português um texto do pai de “Alice no País das Maravilhas”?

É outro louco, né? “A Caça ao Snark” é bem diferente dos livros do Seuss. É uma história que começa num lugar, vai para outro completamente diferente, nada tem muita explicação. Como tudo se passa num barco, tive que pesquisar nomes técnicos, entender os meridianos, saber de tratados e de um monte de termos que não conhecia antes. A rima também é mais rebuscada. O Carroll faz rimas internas no verso. Mas é muito engraçado.

 

Demorou mais para traduzir?

Um pouco mais. E não consegui colocar métrica em tudo. Para fazer isso, tinha que ser o Paulo Henriques Britto [poeta que traduziu nomes como Charles Dickens, Elizabeth Bishop, William Faulkner, entre outros].

 

Como ser poeta ajudou no processo?

A poesia te leva ao cerne da palavra, a destrinchar os sentidos. O Seuss faz muito isso. Embora não escreva como esses autores, eles têm um universo oral que me interessa muito –principalmente o Carroll. Mesmo que eu não escreva rimando, o ritmo é importante nos meus livros.

 

E o seu livro infantil?

Tenho o “Zebrosinha” [Galerinha; R$ 27,90], que curiosamente é em prosa. Adoraria fazer outros, mas acho difícil escrever para crianças. A cabeça delas é muito diferente, tudo é inesperado e despropositado. Para escrever à altura de uma criança, você precisa ser muito bom.

 

Por causa da forma ou do conteúdo?

A gente sempre fica na dúvida se a criança vai entender, né? Ou acaba achando que aquilo não é bem um tema infantil. Mas, no fundo, não é o adulto quem decide isso. Acaba sendo difícil cativar esse leitor.

 

Cativar um adulto é mais fácil?

O leitor adulto é culpado. Ele quer terminar o livro. Se achar ruim, quer descobrir por que não gostou. Quer saber se a culpa é dele ou do autor. Existe uma investigação como leitor.

A criança não está nem aí. Se ela não gostar, larga a história. E ponto final. Fora as questões de mediação de leitura. Os livros não chegam diretamente. É um caminho indireto. As obras que mais marcaram a minha infância foram todas mostradas por alguém que sentou comigo, disse que aquele texto era muito legal, me conquistou como leitora, fez com que me apaixonasse. O livro pode ser ótimo. Mas, sem esse papel de mediação, ele não chega a lugar nenhum.

 

“O Lorax”

Autor e ilustrador Dr. Seuss

Editora Companhia das Letrinhas

Preço R$ 39,90 (2017; 80 págs.)

Leitor intermediário + leitura compartilhada

 

“Horton Choca o Ovo”

Autor e ilustrador Dr. Seuss

Editora Companhia das Letrinhas

Preço R$ 39,90 (2017; 72 págs.)

Leitor intermediário + leitura compartilhada

 

“O Gatola da Cartola”

Autor e ilustrador Dr. Seuss

Editora Companhia das Letrinhas

Preço R$ 39,90 (2017; 80 págs.)

Leitor iniciante + leitura compartilhada

 

“Como o Grinch Roubou o Natal”

Autor e ilustrador Dr. Seuss

Editora Companhia das Letrinhas

Preço R$ 39,90 (2017; 64 págs.)

Leitor iniciante + leitura compartilhada

Lançamento 21/11

 

“A Caça ao Snark”

Autor Lewis Carroll

Ilustrador Chris Riddell

Editora Galera Junior

Preço R$ 44,90 (2017; 96 págs.)

Leitor intermediário + leitura compartilhada

 


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