Você pagaria por algo disponível gratuitamente na internet? Maisa aposta que sim

Bruno Molinero

Afinal: você desembolsaria mais de R$ 30 por algo que está disponível gratuitamente na internet?

E aqui o assunto não é o jornalismo e a avalanche de notícias publicadas de graça por sites e blogs. Ou a pirataria digital e o download ilegal de filmes e músicas.

O papo é um pouco mais surreal, principalmente para quem achou que as editoras não conseguiriam se superar após a febre dos livros para colorir e os títulos feitos por youtubers. Para ser mais preciso: que tal pagar R$ 34,90 por um apanhado de tuítes que estão totalmente acessíveis na rede social, a apenas um clique de distância?

Parece piada, mas é a nova aposta da atriz e apresentadora Maisa Silva. A garota, que fez sucesso ainda pequena na TV e puxava a peruca do Silvio Santos, lançou “O Livro de Tweets da +A: As Histórias Além dos 140 Caracteres da Maisa Silva”, pela editora Gutenberg, selo da Autêntica.

Como o nome já dá a pista, a artista de 15 anos e sua equipe selecionaram cerca de 300 dos seus quase 22 mil tuítes, juntaram tudo em 144 páginas, rechearam com emojis e dezenas de fotos e serviram um produto requentado e já triturado. A profundidade não é muito superior aos tais 140 caracteres, para que leitores preguiçosos não encontrem qualquer desafio ou dificuldade.

São 20 páginas, ou quase 15% do livro, apenas com fotos posadas da atriz. Ela aparece sustentando um balde de pipoca, mostrando o muque, usando um vestido florido e óculos de sol. Quase sempre segurando o cabelo e fazendo caras e bocas. Já imagens que não ocupam a folha toda mostram Maisa ao lado de Silvio Santos, em sua festa de 15 anos, viajando pelos Estados Unidos e até fazendo cocô quando era criança.

Texto mesmo não é o forte. Para não ficar feio ou dizer que a obra faz apenas uma junção de tuítes antigos, a autora explica na introdução: “Eu resolvi fazer este livro porque assim as pessoas podem conhecer as histórias por trás de cada tweet meu e saber mais sobre quem eu sou nas redes sociais.” Que bom. E complementa: “Os errinhos de português fazem parte e a gente se entende, né?”

De fato, algumas postagens são acompanhadas de breves explicações, cuja intenção é ampliar o sentido da mensagem –o que raramente é feito. Duas estão abaixo.

 

“Eu tenho muitas piadas internas com os meus amigos. Cada grupo tem uma piada interna diferente. E cheguei à conclusão de que tem muita gente que se incomoda com isso. Então, piada interna só é legal se a gente entende, senão você fica boiando e achando que é sempre sobre você.”

 

 

“Gente, fui pra Orlando; vocês sabem… a Beverly Travel. Lá, fui ao jogo do Orlando City e vi o Kaká jogar. E foi muito legal! Agradeço muito ao Orlando City por ter me recebido tão bem. Eles foram uns fofitos! Foi o primeiro jogo internacional que assisti e um momento muito especial da minha vida.”

Algumas mensagens, porém, não têm a sorte de virem acompanhadas da tal explicação –seja para não dar a faca e o queijo ao leitor ou porque nem os mais criativos conseguem encher linguiça sobre elas. Caso do primeiro tuíte do perfil, de janeiro de 2014, quando ela tinha 12 anos:

 

 

 

As máximas são divididas por tópicos, que nomeiam os capítulos. Assuntos passam por sentimentos (Amor, Amizade, Fé, Respeito), turismo (Viagem Para NY, Maisera Pelo Mundo), acontecimentos (Meus 15 Anos, Escola, Provas) e sacos de gatos que concentram tudo o que não se encaixa nas demais categorias (Maisera, A Loka, Quebrando Tudo no Twitter).

Ao terminar o livro, o leitor que é fã continua na mesma, sem descobrir nada de novo sobre a vida de Maisa, que já publicou pela mesma Gutenberg outros dois títulos mais autobiográficos: “Sinceramente Maisa – Histórias de uma Garota Nada Convencional” (2016, R$ 29,80) e “O Diário de Maisa – Um Ano Inteiro Comigo” (2016, R$ 34,90). Já quem não é fã fica com a impressão de que ela é uma adolescente boazinha que se esforça para não magoar ninguém.

Ou pelo menos é a imagem que tenta reforçar com alguns lugares-comuns. “O ódio é muito retrocesso”, escreve no capítulo sobre amor. “Foi a primeira vez que eu senti a presença de Jesus, e foi sensacional”, diz sobre fé. O futebol tampouco escapa. “[…] mesmo sendo corintiana, respeito os outros times e reconheço que eles são bons!”

Com essa versão açucarada de si mesma e uma seleção de mensagens descartáveis, Maisa perde a oportunidade de mostrar outros lados artísticos. Youtubers como Kefera e Christian Figueiredo, por exemplo, também já surfaram na onda de títulos autobiográficos que venderam milhares de exemplares –só a primeira bateu a marca de 650 mil cópias com “Muito Mais que Cinco Minutos” (Paralela, 2015, R$ 24,90) e “Tá Gravando. E Agora?” (Paralela, 2016, R$ 29,90).

Mas ambos viram que a fonte está prestes a secar, que não há muito mais o que dizer sobre as suas rotinas e que a moda dos livros sobre youtubers tende a passar. Contra isso, os dois resolveram apostar na ficção. Kefera publicou “Querido Dane-se” (Paralela, 2017, R$ 34,90). Já Christian Figueiredo apareceu nas livrarias com o juvenil “Um Coração Maior que o Mundo” (Outro Planeta, 2017, R$ 32,90).

Maisa preferiu seguir um caminho menos trabalhoso, com um produto que não a fizesse sentar e realmente escrever algo que valha a pena e faça sentido para os fãs. Afinal, se o esforço é mínimo e a demanda segue a mesma, o lucro é máximo.

Talvez você não desembolsse R$ 34,90 para adquirir um conteúdo gratuito como os tuítes da estrela do SBT. Mas, se 1% dos quase 3 milhões de seguidores da atriz no Twitter fizerem isso, ela garante a venda de 30 mil livros. Se levarmos em conta que uma obra bem sucedida no Brasil raramente atinge mais do que 3.000 exemplares durante toda a sua história, Maisa pode colocar seu nome entre os best-sellers do país.

Se alguém vende areia no deserto, é porque encontra compradores. Nem que seja aquele 1%.

 

“O Livro de Tweets da +A”

Autora Maisa Silva

Editora Gutenberg

Preço R$ 34,90 (2017, 144 págs.)

Leitor intermediário

 


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