Autores e editores criticam governo por fixar temas em edital de livros
Tinha tudo para ser uma boa notícia. Após suspender as compras de livros infantojuvenis no fim do mandato de Dilma Rousseff e abandonar o PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola), o governo federal lançou neste ano edital para adquirir obras de literatura para os colégios.
Ao ler o regulamento do novo PNLD Literário (Programa Nacional do Livro Didático), porém, autores, ilustradores, editores e profissionais ligados ao livro para crianças suspenderam a comemoração.
“A mudança do nome do programa já indica, por si só, uma transformação na política relacionada à formação de leitores na escola”, afirma a pedagoga Sandra Medrano, coordenadora da Comunidade Educativa Cedac e da revista Emília, especializada em literatura infantojuvenil.
São três as principais reclamações do grupo.
1. As histórias devem ser direcionadas a faixas etárias específicas e seguir eixos temáticos predefinidos.
Com isso, livros precisam abordar temas como a descoberta de si, a relação com a família ou as inquietações da juventude, por exemplo. Outros assuntos podem ser tratados, desde que sejam devidamente nomeados e justificados.
Para Sandra, literatura não é produzida dessa maneira. “Isso fica a cargo dos didáticos e dos paradidáticos. A literatura de qualidade está aberta para reflexões e interpretações.”
2. Com exceção das obras para a educação infantil, os títulos precisam ter tamanhos e tipos de papel específicos. São três formatos: 205 mm x 275 mm; 270 mm x 270 mm; 135 mm x 205 mm. Os que fogem dessas especificações terão que ser adaptados.
“A forma é uma das principais bases de criação e tem conexão direta com a narrativa. Restringir a três formatos significa engessar o pensamento. Em relação ao papel, tenho mais um temor. A baixa gramatura pode ser um limitador de criação visual”, afirma a escritora e designer Raquel Matsushita.
A convite da Folha, os autores e ilustradores Fernando Vilela e Renato Moriconi adaptaram dois de seus livros premiados (“Lampião e Lancelote” e “Bárbaro”, respectivamente) aos tamanhos do edital e avaliaram se há perdas na narrativa. O resultado pode ser visto abaixo.
3. Editoras menores temem sair em desvantagem.
De acordo com Marcelo Del’Anhol, um dos principais problemas é o curto prazo. “Tivemos pouco mais de cinco semanas para a inscrição. Grandes editoras têm equipe maior e menos dificuldades para cumprir as exigências”, diz ele, que é editor da Olho de Vidro, criada em 2017 e com dois livros em catálogo.
Com pré-inscrição aberta até sexta (11) e inscrições até o dia 25 de maio, o edital define que as escolhas serão feitas por comissões técnicas e educadores. Mas não diz quanto será gasto nem quantos exemplares serão adquiridos, o que vai depender de negociações futuras de preço.
Os valores totais, contudo, não devem superar o previsto para o PNLD no ano passado: R$ 1,7 bilhão.
EXEMPLOS DE MUDANÇAS
“A obra foi pensada na forma horizontal, pois as ilustrações exploram o horizonte do sertão nordestino e da Idade Média. Na adaptação, a cena tem menos respiro, menos movimento e perdemos o cacto, empobrecendo a potência gráfica”
Fernando Vilela
autor de ‘Lampião e Lancelote’
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“Com menos espaço vertical, o guerreiro foi espetado. As escolas receberão livros rasurados, violados. O edital é uma violência”
Renato Moriconi
autor de ‘Bárbaro’
OUTRO LADO
Questionado sobre as críticas de autores e editores feitas ao edital de compra de livros, o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), órgão ligado ao Ministério da Educação e que responde pelo programa, afirma que não há confusão entre obra literária e didática no edital.
Diz ainda que a exigência de faixas etárias e temas específicos foi elaborada por avaliadores e pesquisadores do antigo PNBE.
Sobre tamanhos e tipos de papel predeterminados, o órgão afirma que os três formatos possíveis preservam as características básicas das obras originais.
Acerca da espessura das páginas, afirma que muitos produtos usam essa gramatura, preservando a qualidade de impressão.
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