Roger Mello apresenta uma das primeiras escritoras da história em livro ilustrado

Bruno Molinero

É verdade que nada se cria, tudo se transforma —ou tudo se copia, se você estiver mais para Chacrinha do que para Lavoisier. Mas isso não é necessariamente verdade para Enreduana. Um de seus poemas diz: “Algo foi criado que ninguém antes criou”.

Não se sinta culpado se nunca ouviu falar dessa escritora. Filha do rei Sargão, ela nasceu por volta de 2.300 a.C., na Mesopotâmia, e foi sacerdotisa de Ur, na Suméria (atualmente, sul do Iraque).
Mas o que deixou seu nome relevante até hoje foi a literatura. Autora de diferentes textos, como poemas e obras em devoção à deusa do amor e da fertilidade, Enreduana é tida como uma das primeiras escritoras e filósofas da história.

Agora, mais de quatro milênios depois, no florescer da primavera feminista e do movimento #MeToo, Roger Mello apresenta essa personagem em um livro ilustrado.

Com texto poético, que mistura versos e uma prosa recheada de cadência, o autor fala sobre a relação de Enreduana com o pai, o casamento com a deusa Inana, a entrada na política e a expulsão de Ur imposta pelo irmão.

Mello é um dos mais premiados ilustradores brasileiros —sendo o único do país a vencer o Hans Christian Andersen na categoria visual, considerado o Nobel da literatura infantojuvenil.

Mas, curiosamente, não é ele quem assina os desenhos do novo título. Todas as imagens foram feitas por Mariana Massarani, que se inspirou na arte suméria para criar um desbunde visual.

Ilustrações, traços na areia e esculturas de argila compõem as páginas, que têm, ao mesmo tempo, cores vibrantes e tons que levam o leitor ao deserto mesopotâmico, como as que abrem este texto.

A parceria, porém, não é inédita. Mello e Massarani repetem em “Enreduana” a dobradinha que fizeram em “Inês” —livro lançado também pela Companhia das Letrinhas, em 2015, também sobre uma personagem feminina.

Nesse caso, a portuguesa Inês de Castro, amor proibido do príncipe Pedro, que foi assassinada a mando do rei. Segundo diz a lenda, ao assumir o trono, o apaixonado teria ordenado que ela fosse desenterrada, coroada rainha e tivesse a mão beijada por seus súditos. A história se tornou uma das mais conhecidas de Portugal, contada até em “Os Lusíadas”, de Camões.

Talvez por terem sido feitas por dois ilustradores, tanto a obra sobre a rainha portuguesa quanto a da poeta suméria têm imagens e texto praticamente siameses, impossíveis de serem separados. E podem ser lidas por crianças, adolescentes e adultos de qualquer idade, como costuma ocorrer com os bons livros ilustrados.

No caso de “Enreduana”, a narrativa é até um pouco difícil para os menores, fazendo com que a leitura mediada e a companhia de um adulto sejam parte integrante.

É como entrar em um deserto e desbravar suas partes impenetráveis. Não à toa o narrador do livro é um grão de areia. É esse pedacinho quem ganha voz e apresenta Enreduana —fazendo com que, voltando ao Chacrinha, ela se comunique e não se “trumbique” com o leitor de hoje.

 

Enreduana

Autor Roger Mello

Ilustradora Mariana Massarani

Editora Companhia das Letrinhas

Preço R$ 49,90 (2018, 44 págs.)

 


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