Hilda Hilst não entendia as ‘crionças’ e ganha único livro infantil

Quando a Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, confirmou que a autora homenageada na edição do ano passado seria Hilda Hilst, os organizadores do evento apresentaram a sua literatura como uma produção que gira em torno do amor, da morte, do misticismo e da transcendência.

Um resumo, é claro. Mas um cartão de visitas que pode ajudar a abrir as portas do universo da escritora para um público mais amplo.

É mais ou menos isso o que faz também “Eu Sou a Monstra”. O poema infantil de Hilst (leia a íntegra aqui), publicado agora na forma de um livreto, com costura externa e pinta de artesanal, ultrapassa a simples diversão entre pais e filhos ou a história para ser lida antes de dormir.

Os versos funcionam como introdução à obra da autora –com um ingrediente raro: eles são capazes de seduzir tanto crianças quanto adultos.

Talvez porque Hilst não fosse tão fã assim dos pequenos. “Eu não entendo as ‘crionças’. Elas não me entendem. Ficam olhando para mim, esquisitíssimas”, disse certa vez. “Crionças” é como ela se referia a essa faixa etária, em uma mistura de criança com onça.

A falta de idealização da infância fazia Hilst tratar meninos e meninas em pé de igualdade. Sobretudo um: Daniel, filho do espanhol Mora Fuentes, amigo da autora que visitava sua Casa do Sol, sítio em Campinas, no interior paulista, que servia de retiro artístico.

Daniel, que hoje é presidente do Instituto Hilda Hilst, era chamado por ela de “meu amigo Daniel” –e essa é a dedicatória de “Eu Sou a Monstra”, que foi escrito para o garoto e, até onde se sabe, é a única produção infantil de Hilst.

“Eu sou a Monstra./ Procuro o Daniel / Para desenhar comigo/ A Monstra no papel”, começa o texto, que é intercalado por desenhos feitos à mão pela escritora –mas que poderiam muito bem ter saído do caderno de uma criança.

O visual despretensioso e a linguagem direta repleta de quebras de expectativas ajudam a prender a atenção do leitor que ainda está aprendendo a ler. “Eu sou assim?/ A bruxa do mato/ Montada num cavaco?/ (atenção: é cavaco e não cavalo)”, escreve.

Mas aproxima também o adulto que busca um flanco de entrada na produção de Hilst. De certa forma, “Eu Sou a Monstra” pode ser o primeiro degrau que leva a “Da Poesia”, livro publicado pela Companhia das Letras que reúne a produção poética da autora.

Com uma vantagem. Em vida, Hilst lançou grande parte de seus livros de forma artesanal, alguns dos quais pelas mãos do editor Massao Ohno. A edição de “Eu Sou a Monstra” é uma reverência a isso, após a descoberta de sua literatura pelo mercado editorial.

 

Eu Sou a Monstra – Hilda Hilst para Crionças

Autora e ilustradora Hilda Hilst

Editora Quelônio

Preço R$ 60 (2018, 54 págs.)

Leitor iniciante + leitura compartilhada

 


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