Era Outra Vez https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br Literatura infantojuvenil e outras histórias Wed, 28 Aug 2019 18:58:05 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Ciência e poesia se misturam em livro para crianças enxergarem o invisível https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/07/10/ciencia-e-poesia-se-misturam-em-livro-para-criancas-enxergarem-o-invisivel/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/07/10/ciencia-e-poesia-se-misturam-em-livro-para-criancas-enxergarem-o-invisivel/#respond Wed, 10 Jul 2019 12:46:02 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2019/07/abre-320x213.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2880 Quanto de poesia cabe na ciência? Ou melhor: quanto de ciência cabe na arte?

Há quem diga que nada, que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Que a ciência orbita o campo da razão, enquanto a arte pertence ao campo oposto, onde estão os sentimentos e o sublime.

Mas como negar que foi o reflexo da lua na água –portanto, um fenômeno físico, mais especificamente ótico– que deu origem a um dos poemas mais bonitos da língua portuguesa, “Ismália”, de Alphonsus de Guimaraens: “Quando Ismália enlouqueceu,/ Pôs-se na torre a sonhar… /Viu uma lua no céu,/ Viu uma lua no mar […]”.

Ou que um fenômeno complexo como o deslocamento de areia do Saara em direção a outras partes do mundo tenha inspirado a música “Reconvexo”, de Caetano Veloso: “Eu sou a chuva que lança a areia do Saara/ Sobre os automóveis de Roma […]”.

Pois há inúmeros outros exemplos –e um dos mais interessantes para crianças é o livro “Assim Eu Vejo”, dos ucranianos Romana Romanyshyn e Andriy Lesiv, que foi publicado por aqui pela Editora do Brasil.

A obra se debruça sobre o universo da visão e da ótica e, como todo bom livro ilustrado, apresenta diferentes níveis de leitura. Dois são os eixos principais: de um lado está o texto, com alta carga poética; de outro, as ilustrações, que servem de base para curiosidades e informações puramente científicas.

Enquanto o texto embala o leitor com delicadezas como “todos têm vontade de se esconder de vez em quando” ou “os olhos me ajudam a encontrar verdadeiros tesouros”, pequenas frases conectadas aos desenhos e espalhadas pelas páginas abrem mão das metáforas para fazer as vezes de almanaque.

Página do livro ‘Assim Eu Vejo’ (Divulgação)

Informam, por exemplo, que os primeiros espelhos surgiram entre o terceiro e o primeiro milênio antes de Cristo. E que as pupilas funcionam como diafragmas de uma câmera fotográfica. Dizem ainda coisas mais malucas: você sabia que, por alguns dias depois do nascimento, os bebês enxergam o mundo de ponta-cabeça? Isso dura até que o cérebro se acostume.

É desse choque entre o quente e o frio, o sublime e o concreto, a ciência e a arte, que o livro extrai sua potência. Isso sem falar das ilustrações.

Especializados em design editorial, os autores criam desenhos com cores vibrantes e formas chapadas que se mesclam a colagens e fotos para criar um verdadeiro mergulho.

É como se fosse preciso ler o livro pelo menos três vezes para absorvê-lo completamente. Na primeira, presta-se a atenção no texto. Na segunda, nas informações científicas. Na terceira, nas ilustrações. Para, só assim, compreender não apenas o que está visível aos olhos –mas, sobretudo, o que está invisível.

 

“Assim Eu Vejo”

Autores e ilustradores Romana Romanyshyn e Andriy Lesiv

Tradutora Flora Manzione

Editora Editora do Brasil

Preço R$ 61,20 (2018, 64 págs.)

Leitor intermediário + leitura compartilhada

 


GOSTOU?

Clique aqui e receba todas as novidades por email

Você pode entrar em contato com o blog pelo email blogeraoutravez@gmail.com

Ou pelo Instagram @blogeraoutravez

 

Conheça outros posts

]]>
0
Livro infantil apresenta Mazzaropi e discute arte popular com crianças https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/06/25/livro-infantil-apresenta-mazzaropi-e-discute-arte-popular-com-criancas/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/06/25/livro-infantil-apresenta-mazzaropi-e-discute-arte-popular-com-criancas/#respond Tue, 25 Jun 2019 12:56:23 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2019/06/abre-320x213.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2873 Era um acontecimento.

Os ônibus vinham lotados dos bairros mais distantes até o largo do Paissandu, no centro de São Paulo, onde os passageiros desciam e esperavam na calçada mesmo, em pé, em frente ao Cine Art Palácio. 

A maior parte deles nem conseguia ingressos para entrar naquele que era um dos principais cinemas de rua da época. Estamos entre os anos 1960 e 1970, quando o Cine Art Palácio costumava levar centenas de espectadores a um quadrilátero que estava longe de ser o espaço degradado que conhecemos hoje –ao contrário: a praça pulsava com produtoras e cinemas, caso do próprio Palácio e do Cine Ouro, que antes se chamava Bandeirantes. Ambos estão atualmente fechados, e o segundo deles chegou a se tornar um estacionamento.

Mas naquela época não era bem assim. E as pessoas atravessavam a capital para ver principalmente um nome: Mazzaropi, que arrastava multidões a cada lançamento de filme e tinha a sua produtora, a Pam-Filmes, no próprio largo.

Mazzaropi tornou popular a figura do caipira no cinema brasileiro, principalmente com o preguiçoso Jeca. Nos lançamentos de seus filmes, quem não conseguia bilhetes ficava na porta do cinema, esperando a chegada do artista. Sempre atento aos fãs, já era certo que, antes de o longa ser exibido, ele subiria a um pequeno palco, apresentaria o elenco do longa e daria um breve show, numa espécie de avô do stand-up, com velhas piadas e músicas antigas.

É essa figura e esse lado popular do cinema que o livro “Mazzaropi – Um Jeca Bem Brasileiro” apresenta para as crianças.

Escrito por Dílvia Ludvichak, com ilustrações de Luciano Tasso, o título faz quase uma escavação de um personagem cujos filmes são cada vez mais difíceis de serem vistos. Um diretor que, dos suas 34 produção, 26 foram feitas por ele mesmo, a partir da década de 1950 –sempre com relativo sucesso popular, alguns quebrando recordes de bilheteria (estima-se que 206 milhões de pessoas viram os seus filmes)

E, mesmo assim, ele quase sempre foi ignorado ou avacalhado pela crítica da época. “O zé povinho sabe bem o que quer, e o reflexo disso são os recordes de bilheteria de meus filmes, que são chamados de fitinhas e não vão a festivais”, costumava dizer Mazzaropi.

Em ordem cronológica, o livro conta em versos rimados a vida do cineasta. Mostra a mudança de seus pais para o interior, quando ele ainda era criança. Passa pela infância no mato, comparada à de Monteiro Lobato. Conta brevemente a criação do personagem Jeca Tatu e fala de uma certa valorização do jeito interiorano como seu projeto artístico –em certa medida, um contraponto à maneira como o Jeca é visto hoje: um personagem caricatural e preconceituoso com os moradores do interior.

No fim, há ainda um glossário com curiosidades e a filmografia de Mazzaropi, para quem quiser conhecer mais sobre o diretor.

Ilustração de ‘Mazzaropi – Um Jeca Bem Brasileiro’, feita por Luciano Tasso (Divulgação)

Mas mais do que a iluminação de uma figura que ainda hoje é controversa dentro do cinema brasileiro, o livro traz uma reflexão sutil, mas poderosa: como a crítica deve tratar a arte essencialmente popular?

No caso de Mazzaropi, a imprensa e o mercado simplesmente torciam o nariz ao analisar seus filmes, linguagem, montagem, estrutura. E eram incapazes de compreender o que levava milhares de pessoas ao largo do Paissandu, após horas de transporte público, só para chegar perto daquela figura.

“Falam mal de mim. Só quero ver quando eu morrer. Daí vão fazer festivais com os meus filmes, e tem gente que é capaz até de falar que fui um gênio. Quer saber? Deixa pra lá. Quando eu morrer, isso já não terá nenhuma importância”, disse certa vez o diretor.

Mazzaropi morreu em junho de 1981, há 38 anos, depois de ficar internado no hospital Albert Einstein, em São Paulo, para tratar um câncer de medula. Tinha 69 anos. De lá para cá, a pergunta sobre a maneira de encarar a arte mais popular ainda não foi respondida. Mas já há quem diga que ele foi um gênio.

 

“Mazzaropi – Um Jeca Bem Brasileiro”

Autora Dílvia Ludvichak

Ilustrador Luciano Tasso

Editora Paulus

Preço R$ 29 (2018, 32 págs.)

Leitor intermediário + leitura compartilhada

 


GOSTOU?

Clique aqui e receba todas as novidades por email

Você pode entrar em contato com o blog pelo email blogeraoutravez@gmail.com

Ou pelo Instagram @blogeraoutravez

 

Conheça outros posts

]]>
0
Hilda Hilst não entendia as ‘crionças’ e ganha único livro infantil https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/03/22/hilda-hilst-nao-entendia-as-crioncas-e-escreveu-unico-poema-infantil/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/03/22/hilda-hilst-nao-entendia-as-crioncas-e-escreveu-unico-poema-infantil/#respond Fri, 22 Mar 2019 22:18:07 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2019/03/abre-320x213.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2814 Quando a Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, confirmou que a autora homenageada na edição do ano passado seria Hilda Hilst, os organizadores do evento apresentaram a sua literatura como uma produção que gira em torno do amor, da morte, do misticismo e da transcendência.

Um resumo, é claro. Mas um cartão de visitas que pode ajudar a abrir as portas do universo da escritora para um público mais amplo.

É mais ou menos isso o que faz também “Eu Sou a Monstra”. O poema infantil de Hilst (leia a íntegra aqui), publicado agora na forma de um livreto, com costura externa e pinta de artesanal, ultrapassa a simples diversão entre pais e filhos ou a história para ser lida antes de dormir.

Os versos funcionam como introdução à obra da autora –com um ingrediente raro: eles são capazes de seduzir tanto crianças quanto adultos.

Talvez porque Hilst não fosse tão fã assim dos pequenos. “Eu não entendo as ‘crionças’. Elas não me entendem. Ficam olhando para mim, esquisitíssimas”, disse certa vez. “Crionças” é como ela se referia a essa faixa etária, em uma mistura de criança com onça.

A falta de idealização da infância fazia Hilst tratar meninos e meninas em pé de igualdade. Sobretudo um: Daniel, filho do espanhol Mora Fuentes, amigo da autora que visitava sua Casa do Sol, sítio em Campinas, no interior paulista, que servia de retiro artístico.

Daniel, que hoje é presidente do Instituto Hilda Hilst, era chamado por ela de “meu amigo Daniel” –e essa é a dedicatória de “Eu Sou a Monstra”, que foi escrito para o garoto e, até onde se sabe, é a única produção infantil de Hilst.

“Eu sou a Monstra./ Procuro o Daniel / Para desenhar comigo/ A Monstra no papel”, começa o texto, que é intercalado por desenhos feitos à mão pela escritora –mas que poderiam muito bem ter saído do caderno de uma criança.

O visual despretensioso e a linguagem direta repleta de quebras de expectativas ajudam a prender a atenção do leitor que ainda está aprendendo a ler. “Eu sou assim?/ A bruxa do mato/ Montada num cavaco?/ (atenção: é cavaco e não cavalo)”, escreve.

Mas aproxima também o adulto que busca um flanco de entrada na produção de Hilst. De certa forma, “Eu Sou a Monstra” pode ser o primeiro degrau que leva a “Da Poesia”, livro publicado pela Companhia das Letras que reúne a produção poética da autora.

Com uma vantagem. Em vida, Hilst lançou grande parte de seus livros de forma artesanal, alguns dos quais pelas mãos do editor Massao Ohno. A edição de “Eu Sou a Monstra” é uma reverência a isso, após a descoberta de sua literatura pelo mercado editorial.

 

Eu Sou a Monstra – Hilda Hilst para Crionças

Autora e ilustradora Hilda Hilst

Editora Quelônio

Preço R$ 60 (2018, 54 págs.)

Leitor iniciante + leitura compartilhada

 


GOSTOU?

Clique aqui e receba todas as novidades por email

Você pode entrar em contato com o blog pelo email blogeraoutravez@gmail.com

Ou pelo Instagram @blogeraoutravez

 

Conheça outros posts

]]>
0
No centenário de Tatiana Belinky, lembre a autora em 5 livros https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/03/19/no-centenario-de-tatiana-belinky-lembre-a-autora-em-5-livros/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/03/19/no-centenario-de-tatiana-belinky-lembre-a-autora-em-5-livros/#respond Tue, 19 Mar 2019 13:20:07 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2019/03/afa322fdeeee72d7e7fa9411f4d35d04c015bc8f9117625e348d03d16e0f3185_5adf058be425f-1-320x213.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2807 O aniversário mesmo foi nesta segunda (18). A escritora Tatiana Belinky nasceu em 18 de março de 1919, na russa e gelada São Petersburgo, e provavelmente estaria comemorando seus cem anos com uma bela festa em sua casa, no Pacaembu, em São Paulo, sempre aberta para as crianças.

Mas o blog não conseguiu celebrar o centenário de uma das mais importantes escritoras da literatura brasileira porque o mundo dos livros infantojuvenis foi atropelado por uma notícia triste: João Carlos Marinho, autor do clássico “O Gênio do Crime”, morreu aos 83 anos na noite de domingo (17).

Ficou então para hoje a celebração de Belinky, que se mudou com a família para o Brasil quando ela tinha dez anos. Por aqui, publicou mais de 200 títulos, conheceu Monteiro Lobato, adaptou a obra da turma do Sítio do Picapau Amarelo para a televisão e fez parte da Academia Paulista de Letras.

Morreu em 2013, aos 94 anos. Mas seus livros continuam mais do que vivos.

Conheça cinco deles abaixo.

 

 

O GRANDE RABANETE

Inspirado nas histórias que Belinky ouvia do pai, é um desses contos acumulativos com coisas que vão se somando. No caso, um rabanete está tão preso ao chão que ninguém consegue tirá-lo da horta. Até que chega a vez do ratinho.

Editora Moderna

Preço R$ 48 (48 págs.)

 

LIMERIQUES DO BÍPEDE APAIXONADO

A escritora costumava dizer que o livro era um de seus favoritos. Limerique é um tipo de poema rimado e feito com cinco versos, forma que Belinky usou e abusou em sua obra. No título, os poemas contam a história de uma menina que só gosta de bichos e de um menino que é apaixonado pela garota. As ilustrações são de Andrés Sandoval.

Editora 34

Preço R$ 36 (36 págs.)

 

DEZ SACIZINHOS

Também composto por versos engraçadinhos, narra a morte de dez sacis: por vários motivos, como comida estragada, jejum por muitas horas, quebra de regras etc. Nessa brincadeira matemática, em que os seres do folclore são subtraídos, a autora mostra que números e versos nasceram um para o outro.

Editora Paulinas

Preço R$ 33 (16 págs.)

 

UM CALDEIRÃO DE POEMAS

Aqui os versos falam sobre os mais variados temas, sejam eles tristes ou felizes. Mas com uma particularidade: os 62 textos são traduzidos ou adaptados por Belinky, de autores como Lewis Carroll, Brecht e Goethe. As ilustrações são feitas por 25 artistas.

Editora Companhias das Letrinhas

Preço R$ 42,90 (80 págs.)

 

TRANSPLANTE DE MENINA

O livro é uma ótima oportunidade para quem deseja conhecer a vida da escritora. Nele, Tatiana Belinky narra suas memórias, da infância na Rússia e na Letônia até a vinda ao Brasil. Entre lembranças e brincadeiras, mostra como se tornou uma brasileira.

Editora Moderna

Preço R$ 48 (160 págs.)

 

 


GOSTOU?

Clique aqui e receba todas as novidades por email

Você pode entrar em contato com o blog pelo email blogeraoutravez@gmail.com

Ou pelo Instagram @blogeraoutravez

 

Conheça outros posts

]]>
0
Fabrício Corsaletti faz infância brotar de rimas e poesias https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2018/10/26/fabricio-corsaletti-faz-infancia-brotar-de-rimas-e-poesias/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2018/10/26/fabricio-corsaletti-faz-infancia-brotar-de-rimas-e-poesias/#respond Fri, 26 Oct 2018 13:05:41 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/POEMAS-COM-MACARRAO-01-320x213.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2669 Uma das graças de escrever um poema rimado é que nem sempre o autor decide tudo o que vai ser escrito. Muitas vezes, são os sons e as métricas que impõem as palavras e escolhem os caminhos que a poesia vai trilhar.

Há quase dois anos, em um papo com o escritor e colunista da Folha Fabrício Corsaletti, ele chamou a atenção para isso. Na época, lançava o livro “Baladas” (Companhia das Letras), com poemas de forma fixa e ilustrações de Caco Galhardo. A conversa foi publicada na Ilustrada e pode ser lida aqui.

“Minha poesia geralmente é mais em verso livre e branco. Mas gosto da métrica, da rima. Elas me fazem afirmar coisas que jamais falaria”, comentou na época.

Se, por um lado, os sons e a métrica fazem surgir palavras inusitadas que muitas vezes assumem o volante e guiam a narrativa; se, por outro, a infância é a fase do inesperado, do nonsense e das descobertas; como Corsaletti juntaria tudo isso em um livro infantil?

A resposta está no recém-lançado “Poemas com Macarrão”, da Companhia das Letrinhas.

Ilustração de Jana Glatt para “Poemas com Macarrão” (Divulgação)

Nele, o autor explora uma poesia mais pé no chão, que funciona quase como uma crônica feita em versos, cheia de pequenas surpresas. Embora as formas não sejam todas iguais, grande parte dos poemas são feitos com estrofes de quatro linhas, rimas alternadas e sete sílabas poéticas –o que acaba dialogando com canções infantis, trovas feitas para serem decoradas e até folhetos de cordel.

É a partir daí que desponta o menino que inventou um incêndio e se sentiu um gênio. Ou o cavalo que trota e parece que usa bota. Aquele mesmo que dorme na grama e come a própria cama. E a velha maluca que põe o pé na grama-tapete e sonha com uma piscina de sorvete.

Por caminhar pelo universo da imaginação, “Poemas com Macarrão” consegue ser ainda mais solto e sem amarras do que as obras anteriores do escritor, seja as para adultos ou seja as para crianças (Corsaletti é autor de outros três livros infantis: “Zoo”, “Zoo Zureta” e Zoo Zoado”, publicados entre 2005 e 2014).

Enquanto os menores caem na risada com o imprevisível, os leitores mais velhos encontram no título um respiro ao dia a dia. É como se, a partir da leitura, surgisse uma fronteira. Do lado de lá, ficam as dores, a tristeza e o ódio que brotam de todos os cantos ultimamente. Do lado de cá, estão o afeto, a macarronada da mãe, as lembranças da meninice, as brincadeiras tradicionais, o tempo mais arrastado.

Um mundo mais leve e possível, preocupado com coisas importantes que esquecemos pelo caminho. Para encontrá-las, basta seguir o último verso do último poema do livro:

 

assim, nas noites sem lua

quando a angústia vira breu

fecho os olhos, vejo o parque

e era uma vez lá vou eu…

 

“Poemas com Macarrão”

Autor Fabrício Corsaletti

Ilustradora Jana Glatt

Editora Companhia das Letrinhas

Preço R$ 39,90 (2018, 48 págs.)

Leitor intermediário + leitura compartilhada

 


GOSTOU?

Clique aqui e receba todas as novidades por email

Você pode entrar em contato com o blog pelo email blogeraoutravez@gmail.com

Ou pelo Instagram @blogeraoutravez

 

Conheça outros posts

]]>
0
Lançamentos de Odilon Moraes são para crianças, adultos e vice-versa https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2018/10/17/lancamentos-de-odilon-moraes-sao-para-criancas-adultos-e-vice-versa/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2018/10/17/lancamentos-de-odilon-moraes-sao-para-criancas-adultos-e-vice-versa/#respond Wed, 17 Oct 2018 18:03:08 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/abre-2-320x213.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2648 Livro ilustrado é coisa de criança?

Não necessariamente, diz o autor e ilustrador Odilon Moraes. “O livro ilustrado propõe outro modo de ler, não necessariamente vinculado ao universo infantil. É uma escrita híbrida, muito ligada à poesia. Acho que são narrativas para crianças, sim, mas acho também que os bons livros ilustrados têm uma alta complexidade que pode tocar adultos sensíveis.”

Autor de obras que já se tornaram clássicas, como “Pedro e Lua” e “A Princesinha Medrosa”, Odilon é hoje um dos principais nomes do assunto. E lançou neste ano uma série de livros que apresentam e aprofundam essa sua maneira de criar narrativas (no ano passado, escrevi sobre o seu livro “Rosa”, leia aqui).

Para ele, o texto e a imagem nunca existem sozinhos. Estão constantemente interligados, como se conversassem e forçassem o leitor a observar essa interação para absorver a história –tornando impossível entendê-la completamente apenas com as as letras ou exclusivamente com os desenhos.

Abaixo, estão sete exemplos. Todos lançados para o público infantojuvenil. Ou não.

“O livro ilustrado pode ter uma profundidade temática e, ao mesmo tempo, ter um texto simples que pode pegar qualquer público. É como os quadrinhos. Hoje ninguém mais fala que HQ é coisa de criança ou adolescente”, diz.

Retrato de Odilon Moraes (Divulgação)

 

TRILOGIA CRUA

Crus, ásperos e sem uma redenção no fim. Assim são grande parte dos livros do mineiro Wander Piroli (1931-2006), ainda pouco conhecidos, discutidos e disponíveis nas livrarias. Mas três deles agora podem ser debatidos entre crianças –e adultos. Uma trilogia de contos, todos costurados pelos fios da morte, foram ilustrados por Odilon Moraes e lançados recentemente pela editora Sesi-SP.

“O Matador”, que já teve uma edição anterior da Cosac Naify, apresenta um menino que sonha em assassinar um passarinho. A busca pela morte do bicho ocorre em uma sequência visual verde que vai desembocando em vermelho sangue. Já “Os Dois Irmãos” traz ilustrações espelhadas, como se fossem os pontos de vista de cada um dos personagens, deixando a dúvida: são crianças ou duas aves? Por fim, “Nem Filho Educa Pai” condensa o conflito entre um garoto e a família que deseja matar um cabrito no Natal.

As três narrativas são áridas, distantes da ideia de que livro infantil deve ser confortável ou ter final feliz. Mas é justamente daí que nasce a poesia –tanto a dos textos quanto a das ilustrações.

 

“O Matador”, “Os Dois Irmãos” e “Nem Filho Educa Pai”

Autor Wander Piroli

Ilustrador Odilon Moraes

Editora Sesi-SP

Preços R$ 36 (“O Matador” e “Os Dois Irmãos”; 2018, 32 págs. cada um); R$ 44 (“Nem Filho Educa Pai”; 2018, 64 págs.)

Leitor intermediário + leitura compartilhada

 

*

 

TRISTEZA NÃO TEM FIM?

Mais ou menos como diz a música de Caetano Veloso, Olavo está triste tão triste, está muito triste. Na verdade, não está –o garoto é triste. Mas isso parece mudar quando surge um embrulho misterioso e inesperado à sua porta.

“Olavo”, livro autoral de Odilon Moraes lançado pela Jujuba (editora que relançou no ano passado “Pedro e Lua” e “A Princesinha Medrosa”), faz a lição de casa da literatura ao escancarar o que há de mais humano: tristeza, alegria, medo, generosidade, surpresa, esperança. Tudo com uma narrativa que une com perfeição o texto e a parte visual.

Tanto que a alegria de Olavo não está representada apenas pelo fato de ele ser presenteado por um desconhecido –felicidade que logo se transforma em agonia e dúvida: será que a caixa misteriosa é mesmo para ele? O sentimento de excitação tem também o seu lado visual, sobretudo em uma cor. Fugindo do tom sépia que inunda as páginas, o tom está a todo instante à espreita do personagem pelas cenas. Como se perguntasse: será que os bons sentimentos também estão nos vigiando constantemente?

 

“Olavo”

Autor Odilon Moraes

Editora Jujuba

Preço R$ 42 (2018, 48 págs.)

Leitor iniciante + leitura compartilhada

 

*

 

VAMOS BRINCAR

É comum diversos textos e músicas para crianças nascerem de repetições e acúmulos. É o caso de “o cachorro no gato, o gato no rato, o rato na aranha, a aranha na mosca, a mosca na velha e a velha a fiar”, por exemplo. Mas também de tantos outros. Odilon Moraes e Carolina Moreyra fazem mais ou menos isso em “Lulu e o Urso”, da Pequena Zahar. A diferença é os autores, nesse caso, introduzem a imagem na brincadeira.

Na narrativa, a personagem enche a mãe de perguntas enquanto ela trabalha. Cavucando uma caixa repleta de coisas, a garotinha questiona como uma metralhadora: o que é isso? Um casaco? Um ursinho? Um botão? Enquanto os olhos ocupados da mãe mal saem da tela do computador.

Mas pouco importa. Ao virar a página, os objetos ganham vida e vão se acumulando. Primeiro, aparece um urso. Depois, ele veste um casaco. Até que, de repente, o bicho está de óculos, com uma flor no cabelo, sentado em uma gangorra. E a menina? Bom, ela sempre tem a imaginação ao seu lado.

 

“Lulu e o Urso”

Autores Carolina Moreyra e Odilon Moraes

Editora Pequena Zahar

Preço R$ 49,90 (2018, 48 págs.)

Leitor iniciante + leitura compartilhada

 

*

 

CASAMENTO FEITO

“Será que vai ter casamento?”, pergunta um dos personagens do livro “Casa de Passarinho”, parceria de Ana Rosa Costa e Odilon Moraes publicada pela editora Positivo. No caso da história, só lendo para descobrir. Mas, quando se trata da obra como um todo, ela nasce de um verdadeiro matrimônio entre texto e imagem.

A narrativa só fica completa quando palavras e ilustrações caminham lado a lado, ao mostrar dois garotos que observam passarinhos produzindo um ninho em uma árvore. Enquanto eles fazem perguntas e imaginam possibilidades, Odilon criaas cenas em dois tempos. Em uma, a visão é documental, com duas aves batendo asas em cima do galho. Em outra, porém, os animais ganham corpos humanos com cabeça e bico de bicho. E aproveitam a condição de pessoa para ver televisão, escovar os dentes, comer à mesa…

O mesmo casamento surge em “Bichos da Noite”. Dessa vez, o ilustrador dá formas a um poema de Mariana Ianelli e cria uma narrativa visual própria.

Enquanto os versos falam de cobras que desenrolam feito cordas ou de aranhas em trajes de festa, os desenhos fazem o leitor entrar vagarosamente em uma casa, topar com bichos gigantes que tomam os cômodos, subir por uma escada recheada de patas de polvo e, finalmente, chegar à porta do quarto de uma criança. Quem será que vai abri-la?

 

“Casa de Passarinho” e “Bichos da Noite”

Autoras Ana Rosa Costa (“Casa de Passarinho”) e Mariana Ianelli (“Bichos da Noite”)

Ilustrador Odilon Moraes

Editora Positivo

Preço R$ 43,90 cada um (2018, 40 págs.)

Leitor iniciante + leitura compartilhada

 


GOSTOU?

Clique aqui e receba todas as novidades por email

Você pode entrar em contato com o blog pelo email blogeraoutravez@gmail.com

Ou pelo Instagram @blogeraoutravez

 

Conheça outros posts

]]>
0
Como ler um livro infantil a partir da poesia de Drummond https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2018/07/17/como-ler-um-livro-infantil-a-partir-da-poesia-de-drummond/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2018/07/17/como-ler-um-livro-infantil-a-partir-da-poesia-de-drummond/#respond Tue, 17 Jul 2018 12:56:52 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2018/07/flor-em-flor-abre-320x213.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2544  

Uma flor nasceu na rua!

Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.

Uma flor ainda desbotada

ilude a polícia, rompe o asfalto.

Façam completo silêncio, paralisem os negócios,

garanto que uma flor nasceu.

 

Se o livro “De Flor em Flor” fosse transformado em palavras, certamente surgiria algo parecido com a estrofe acima, trecho de “A Flor e a Náusea”, de Carlos Drummond de Andrade.

A obra do canadense JonArno Lawson, com ilustrações de Sydney Smith, apresenta sem palavras a história de uma menina que passeia com um adulto sempre ao telefone pelas ruas da cidade, onde vai colhendo pequenas flores que encontra pelo asfalto.

Poeticamente, apenas a garota tem cor. Seu casaquinho vermelho flana por uma metrópole cinzenta, entulhada de carros, povoada por pessoas que sustentam olhares sem vida e árvores que perderam as folhas. Até que surge uma flor, escondida num canto improvável, entre o poste e a bicicleta acorrentada.

Então aparece um vestido florado aqui, um ônibus escarlate acolá, vidros coloridos em prateleiras e um parque que reluz de tão verde. Nesse trajeto que vai ganhando cor à medida que as páginas são viradas, a menina entrega as pétalas que vai encontrando como presente para quem cruza o seu caminho.

Como se, dessa maneira, fizesse o mundo recuperar o olhar gentil e poético da infância. Ou entregasse pitadas de gentileza a cada passo –algo cada vez mais raro na correria sem cor das cidades.

De certa maneira, a garota de casaquinho vermelho consegue quebrar o asfalto como se ela mesma fosse a flor de Drummond. E, ao mesmo tempo, faz com que todos a sua volta sintam algo parecido com o último verso do poema:

 

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde

e lentamente passo a mão nessa forma insegura.

Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.

Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.

É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

 

“De Flor em Flor”

Autores JonArno Lawson e Sydney Smith

Editora Companhia das Letrinhas

Preço R$ 39,90 (2017, 40 págs.)

Leitor iniciante

 

*

O blog vai procurar algumas flores e entrará de férias. Talvez a gente se encontre na Flip, na Bienal do Livro de São Paulo ou, daqui a algumas semanas, por aqui mesmo.

 


GOSTOU?

Clique aqui e receba todas as novidades por email

Você pode entrar em contato com o blog pelo email blogeraoutravez@gmail.com

Ou pelo Instagram @blogeraoutravez

 

Conheça outros posts

]]>
0
Em meio a Tribalistas, novo disco e filme, Arnaldo Antunes relança livro infantil https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2018/07/11/em-meio-a-tribalistas-novo-disco-e-filme-arnaldo-antunes-relanca-livro-infantil/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2018/07/11/em-meio-a-tribalistas-novo-disco-e-filme-arnaldo-antunes-relanca-livro-infantil/#respond Wed, 11 Jul 2018 12:51:00 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2018/07/arnaldo-abre-320x213.jpg http://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2532 Arnaldo Antunes é um polvo que, desde o início da carreira, transita por áreas como música, literatura, artes plásticas, performance, vídeo.

Nas últimas semanas, sua agenda anotou o lançamento de um novo álbum –o rock meio samba de “RSTUVXZ”–, apresentações em São Paulo até o último domingo (8), a turnê que marca o retorno dos Tribalistas e a finalização de um documentário sobre a sua obra. Mesmo assim, há um braço livre. E ele acaba de relançar o livro infantil “Frases do Tomé aos Três Anos”.

Publicado originalmente em 2006 pela editora Alegoria, a obra ganha uma nova edição pela Iluminuras. Nela, o artista compila frases e pensamentos pinçados de seu filho mais novo, todas ilustradas pelo próprio Arnaldo.

“Quando o Tomé era pequeno, comecei a anotar algumas frases muito reveladoras que ele falava. Era um projeto pessoal, que mostrava a intimidade familiar e, ao mesmo tempo, esse princípio da poesia da infância”, diz o antigo integrante dos Titãs, que recebeu o blog em sua casa, na Vila Madalena, em São Paulo.

De fato, as frases coletadas são recheadas de insights poéticos e de olhares sem vícios sobre o mundo, como vemos abaixo:

 

os carros só morrem quando

eles param de andar

o tempo nunca acaba,

nem quando a gente morre

a cabeça é a parte

mais dura do corpo

 

Ilustração de “Frases do Tomé aos Três Anos”

“É um livro revelador. Lembro um poema do Oswald de Andrade que diz: ‘Aprendi com meu filho de dez anos / Que a poesia é a descoberta / Das coisas que eu nunca vi’. A criança repara em coisas que nós vemos sempre, mas, como temos um olhar mais acostumado, acabamos não notando. A poesia tem muito disso”, acredita.

Além de um formato mais horizontalizado em relação à primeira edição e um reposicionamento dos desenhos, o novo livro vem com um texto introdutório escrito por Arnaldo sobre a produção do livro a quatro mãos com Tomé, que tem hoje 16 anos.

Parceria que não é novidade. Nas paredes de sua casa, por exemplo, estão expostos diferentes desenhos feitos com os quatro filhos. “As Coisas”, obra lançada em 1992, foi ilustrada pela filha mais velha, Rosa, quando ela era criança.

“Sempre gostei de desenhar, mas nunca achei que devesse fazer um trabalho nessa área. Dentro das artes visuais, procurei a poesia visual e explorar na literatura suportes que vão além do livro, como colagem, vídeo, caligrafia, instalação, enfim. Tenho o desejo de a palavra me levar a outros lugares. Seja para a canção, seja para o poema visual.”

Mas também para figurinos e cenários, cujas confecções foram acompanhadas de perto por Arnaldo na turnê do novo disco. “Juntou tudo nesse mesmo tempo agora”, diz.

O que não é um problema. Afinal, como nos lembra Tomé:

 

se o tempo ia parar de passar

o mundo ia parar de rodar, né?

 

“Frases de Tomé aos Três Anos”

Autor e ilustrador Arnaldo Antunes

Editora Iluminuras

Preço R$ 44 (2018, 80 págs.)

Leitor iniciante + leitura compartilhada

 


GOSTOU?

Clique aqui e receba todas as novidades por email

Você pode entrar em contato com o blog pelo email blogeraoutravez@gmail.com

Ou pelo Instagram @blogeraoutravez

 

Conheça outros posts

]]>
0
Livro infantil que une Basquiat e Maya Angelou é lançado no Brasil https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2018/06/27/livro-infantil-que-une-basquiat-e-maya-angelou-e-lancado-no-brasil/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2018/06/27/livro-infantil-que-une-basquiat-e-maya-angelou-e-lancado-no-brasil/#respond Wed, 27 Jun 2018 11:33:50 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2018/06/basquiat_abre-320x213.jpg http://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2506 Afinal: o que te assusta?

Ao mesmo tempo simples e profunda, essa pergunta foi respondida há 25 anos em um livro infantil que faz parte desses casos raros na literatura –o das obras capazes de unir potência e doçura, energia e afeto, firmeza e sutileza.

Corria o ano de 1993 quando foi publicado o livro “Life Doesn’t Frighten Me”, que propõe o casamento entre a poesia da ativista Maya Angelou e a pintura de Jean-Michel Basquiat. O efeito é explosivo. Tanto que pôde ser revisto no início deste ano, quando uma edição comemorativa de 25 anos da obra foi lançada nos Estados Unidos e incentivou o título a ser, pela primeira vez, traduzido e publicado no Brasil.

“A Vida Não Me Assusta” acaba de sair por aqui pela editora Caveirinha, braço infantil da DarkSide Books, e apresenta para crianças e adultos a junção dos dois artistas negros, concretizada cinco anos após a morte de Basquiat.

O pintor americano, morto em 1988, ficou mais conhecido no Brasil neste ano. Seus quadros, que o tornaram nome fundamental da arte de rua e da pintura figurativa, estão sendo expostos no país pelo CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) e já arrastaram milhares de pessoas em São Paulo e em Brasília –no dia 14 de julho, a mostra de 80 obras chega a Belo Horizonte.

Já a escritora Angelou é nome chave na luta pelos direitos dos negros nos Estados Unidos, ao lado de personalidades como Malcom X e Martin Luther King. Seu livro “Eu Sei Por que o Pássaro Canta na Gaiola”, em que fala de sua infância e da segregação racial, teve ampla repercussão e foi publicado no Brasil, em 1996, pela José Olympio. Ela morreu em 2014, aos 86 anos.

A união tardia dos dois foi feita pela fotógrafa Sara Jane Boyers e se provou um sucesso. As imagens coloridas e ousadas de Basquiat, que foi chamado de “criança brilhante”, acrescentam poder, autenticidade e novas leituras aos versos e rimas do poema, que fala sobre o que pode nos assustar. As ilustrações parecem que foram feitas sob medida, nascidas para dar vida a um livro infantil.

Quando Angelou escreve “Sombras dançando nos muros / Sons que brotam do escuro” ou “Cachorros bravos rosnando / Fantasmas voando em bando”, Basquiat traz à tona uma Nova York repleta de gangues, as paredes dos prédios de Manhattan e a brutalidade dos grafites. Tudo para acabar com o sonoro verso: “Nada na vida me assusta”.

Em uma leitura pública, a autora chegou a dizer que escreveu o texto “para todas as crianças que, por algum motivo, assobiam no escuro e se recusam a admitir que estão assustadas”.

Mas o livro também tem o poder de apresentar a esse público dois artistas que não costumam circular no universo infantojuvenil –e, de quebra, abrir as portas da arte contemporânea e mostrar que a dureza pode ser, sim, ingrediente fundamental em uma obra para crianças.

Obra de Basquiat utilizada no livro “A Vida Não Me Assusta”

 

“A Vida Não Me Assusta”

Autores Maya Angelou e Jean-Michel Basquiat

Organização Sara Jane Boyers

Tradução Anabela Paiva

Editora Caveirinha

Preço R$ 49,90 (2018, 48 págs.)

Leitor iniciante + leitura compartilhada

 


GOSTOU?

Clique aqui e receba todas as novidades por email

Você pode entrar em contato com o blog pelo email blogeraoutravez@gmail.com

Ou pelo Instagram @blogeraoutravez

 

Conheça outros posts

]]>
0
Por que ler para bebês? Leia entrevista com a colombiana Yolanda Reyes https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2018/04/16/por-que-ler-para-bebes-leia-entrevista-com-a-colombiana-yolanda-reyes/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2018/04/16/por-que-ler-para-bebes-leia-entrevista-com-a-colombiana-yolanda-reyes/#respond Mon, 16 Apr 2018 15:23:01 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2018/04/sc_20180314_0507_ps-1-320x213.jpg http://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2370 A relação com os livros e a literatura deve ser anterior aos primeiros anos de alfabetização e à vida escolar.

É o que diz Yolanda Reyes, escritora colombiana especialista em formação de leitores. Segundo ela, bebês já devem ter contato com livros desde o nascimento, ouvindo histórias narradas em voz alta pelos adultos. “Crianças nessa idade são ávidas por escutar como canta o seu idioma. A literatura é fundamental porque é a língua em sua versão mais rítmica”, diz.

A família, a escola e as bibliotecas teriam papel importante nesse processo. “O contato com a literatura desde cedo fica guardado na memória poética e marca o desenvolvimento da criança.”

Yolanda conversou com o blog em sua última visita ao Brasil, no mês passado, quando participou do seminário “Arte, Palavra e Leitura na Primeira Infância”, em São Paulo.

 

*

 

Folha – Qual é a importância de ler para bebês?

Yolanda Reyes – Não é que exista um subgênero literário específico para bebês. O que existe é a necessidade na primeira infância de trabalhar com palavras, sotaques, ritmos da língua. Crianças nessa idade são ávidas por escutar como canta o seu idioma. É uma necessidade vital, talvez evolutiva.

A literatura é fundamental porque é a língua em sua versão mais rítmica. Tanto que a poesia é fascinante para a criança. Ela nasce naturalmente uma ouvinte poética. Mergulha no universo da língua a partir da maneira como o seu idioma é cantado, principalmente com a poesia e as canções de ninar.

 

As canções e a literatura têm o mesmo efeito nessa fase?

É a melodia poética. Um de seus maiores exemplos são as canções de ninar. Essa música tem organização sonora e literária que prolonga o ritmo das palavras e repete uma estrutura que brinca com o aparecer e o desaparecer –como o ritmo do coração. É uma expressão que tem a ver com o que disse Federico García Lorca sobre a necessidade de a criança ser envolta por palavras, ao mesmo tempo em que sente medo de a mãe ir embora. A canção de ninar está sempre dizendo ao bebê: eu me vou e necessito que você durma, pois tenho coisas para fazer e não posso ficar ao seu lado o tempo todo. Essa estrutura poética ensina desde muito cedo, desde antes que o ser humano saiba ler ou falar, a lidar com a separação.

Mas também tem um sentido inverso. Mostra que a mãe sempre deixa suas palavras antes de partir. Esse é o primeiro ensinamento que temos sobre literatura. Você lê uma quantidade enorme de autores que já morreram. Mas, ao tomar contato com seus livros e textos, tem contato com as palavras desse escritor que não está mais aqui. É isso o que a criança aprende com esse ir e voltar das canções.

 

Quando o objeto livro passa a ter importância para o bebê?

Tudo começa pela audição. Depois vão surgindo outras maneiras de ler e de interagir com as palavras. No meu livro “A Casa Imaginária” (Global), mostro como essa interação tem início com a poesia escutada e lida em voz alta pelos pais. Em seguida, esse bebê já pode sentar e olhar algo além do rosto dos adultos. A página do livro nasce diante de seus olhos. Ele, então, interage com a mancha de texto, com as ilustrações, com o papel.

É quando surge o que chamo de triângulo amoroso. A criança está sentada no colo de alguém que ama, posicionada entre o livro e o corpo desse adulto. O bebê enxerga o livro, mas a leitura é guiada pela voz do outro. Pelo mesmo som que ele já conhece. É um outro momento. Pouco a pouco, surgem mais palavras, mais imagens e a narrativa caminha cada vez para mais longe.

 

Ao olhar livros publicados para bebês, percebemos que a maior parte dos títulos à venda não pressupõem essa interação. São livros-brinquedos, feitos de plástico ou de pano, para que a criança possa morder, puxar, molhar. Existem até livros de banho. Ou seja, é um objeto de uso autônomo, que não prevê a intermediação de um adulto. Muitas vezes, não prevê sequer a leitura.

Esse é o mercado. Um livro para bebês é muito mais do que esse objeto que conhecemos hoje como livro para bebês. Tenho uma livraria em Bogotá que se chama Espantapájaros e são poucos os livros no acervo que se parecem com brinquedos, feitos de plástico ou de materiais almofadados. São pouquíssimos. Pela minha experiência, crianças passam muito rápido por eles. Elas logo se dão conta de que são livros que se esgotam. Brincam um pouco, mas não entendem muito bem o que existe ali. O adulto também não entende –afinal, como você lê um livro desses? Esses títulos não permitem o triângulo amoroso que mencionei.

Já os outros, esses sim encantam os bebês. Pois eles são cheios de histórias que dialogam com dois leitores: o adulto e a criança. O que importa em um livro para bebês não é o material impossível de rasgar ou de estragar. Importa o material psíquico com o qual ele é feito.

 

Esse triângulo amoroso pressupõe necessariamente um adulto leitor. Algo difícil de encontrar no Brasil ou na América Latina.

Isso é verdade. Mas essa é uma característica inerente à literatura com bebês: envolver um adulto. Claro que na América Latina o problema da leitura começa com os adultos. Na região, os livros são mais um dos índices de desigualdade. A leitura faz com que você se dê bem na escola. Consequentemente, com que se torne um bom profissional e tenha uma posição favorável na sociedade e na economia. Não é assim necessariamente, mas há uma relação clara entre livro, estudo, inclusão e dinheiro.

Na América Latina, muitas pessoas não passaram por esse processo. Pensam que a leitura e a literatura não foram feitas para elas. Os livros para bebês, então, desempenham também outra função: convidam o adulto a entrar nesse universo. Isso ajuda a tirar todas as resistências em relação ao livro. Quando o seu filho olha no seu olho e pede que aquela história seja contada outra e outra e outra vez, aquilo tem o poder de quebrar barreiras. Afinal, um ser pequeno, que nunca foi à escola, diz que você é o melhor leitor do mundo. Isso é poderoso.

 

Qual é o papel da escola e do professor nessa relação?

Por um lado, há a família nesse pacto. Por outro, existem a educação inicial e as instituições culturais, como as bibliotecas. Falo sempre das trindades [risos].

 

Com as crianças ingressando na escola cada vez mais cedo, imagino que o papel do professor seja cada vez mais importante.

Em Espantapájaros, temos uma livraria e também um centro de desenvolvimento infantil, em que trabalhamos com bebês a partir de oito meses. Os professores têm um papel muito interessante. Primeiro porque incentivam a leitura e deixam os livros sempre disponíveis para que as crianças se aproximem deles. Mas, principalmente, porque eles precisam saber ler não apenas os livros ou as histórias –eles têm que saber ler os alunos e suas relações. E, então, precisam seduzir as famílias para que não existam todas essas barreiras que já comentamos em relação à literatura.

 

Para fechar a trindade, as bibliotecas devem ter espaços para bebês?

Bibliotecas para bebês não precisam ser um prédio separado. Precisam, sim, ter um acervo especial e uma adaptação física: prateleiras mais baixas, fraldário, lugar para amamentação e para estacionar os carrinhos, móveis sem quinas ou partes que possam machucar uma criança. São uma infinidade de preocupações.

Em Bogotá, surgiram grandes bibliotecas no início da década de 2000. Havia um concurso de arquitetura para construí-las e lembro que insisti para que pensassem nos bebês e nas crianças pequenas. Mas claro que não escutaram. Ainda havia uma ideia de que frequentadores dessa idade atrapalhariam a experiência dos usuários ou estragariam o acervo. Tudo mudou muito rápido, e eles tiveram depois que adaptar o espaço, criar salas específicas embaixo de escadas, fazer estruturas que não estavam previstas no projeto original.

 

Bibliotecas específicas para bebês são realidade em muitos países. Elas devem ser incentivadas? Ou o melhor modelo é criar salas infantis em instituições para adultos?

Os dois formatos são interessantes. Em uma escola ou em um centro de educação infantil, por exemplo, pode ser importante ter uma biblioteca específica para crianças menores, com acervo composto apenas por obras voltadas a esses leitores. É lá que elas terão contato com a literatura fora de casa.

Mas me parece cada vez mais fundamental que grandes bibliotecas e instituições culturais tenham salas especiais para essa faixa etária e possam integrar os bebês à sociedade e à cultura. Até porque bibliotecas precisam se abrir para novos públicos. A função delas já não é apenas oferecer obras para que você pesquise algo. Livros estão hoje nos celulares, o conhecimento está a um clique de distância. Bibliotecas se consolidam como fomentadoras de relações. E os bebês devem ter lugar nisso.

 

Bebês devem ler livros digitais?

Todos já vimos a cena, em um restaurante qualquer, da criança se divertindo com um tablet para que os pais possam comer em paz. A tecnologia interessa principalmente porque é algo que faz parte do mundo dos adultos –e a infância quer sempre ter acesso a esse universo. Digo isso porque é impossível apartá-los da tecnologia.

Porém, na primeira infância, crianças são muito concretas. Elas querem saber se seus corpos entram naquele espaço, se os braços alcançam aquela mesa, a textura daquele objeto. O corpo as ajuda a pensar sobre si mesmas. A experiência sensível, a empatia, as emoções no rosto dos outros, os cheiros, o tom de voz… Tudo isso é fundamental. Mas se perde quando substituímos o mundo concreto por uma tela. Por isso, acredito que é dever dos pais adiar o máximo possível o encontro com a tecnologia. O digital não pode substituir a experiência corporal e sensível dos primeiros anos.

 

O debate sobre a tecnologia respinga principalmente sobre os adolescentes. Há quem diga que os jovens leem pouco. Mas eles passam o dia inteiro lendo e escrevendo coisas no celular.

Essa é uma discussão que leva em consideração o suporte, mas não o conteúdo. Podemos hipoteticamente comparar um jovem que lê apenas livros de papel com outro que usa exclusivamente suportes digitais. Não acredito que o primeiro esteja fazendo operações mentais mais complexas do que o segundo. Porque aí nos falta uma informação fundamental: o que eles estão lendo?

O do papel pode estar debruçado sobre uma história completamente previsível ou com nenhuma profundidade. Já o outro pode estar lendo “O Senhor dos Anéis” no tablet ou uma saga sobre a Idade Média no celular. Quando analisamos o suporte de leitura, não podemos nos esquecer do conteúdo.

Mas, de todas as maneiras, é inegável que a concentração utilizada em um livro de papel é superior à usada em uma tela. Ainda mais em relação ao celular, onde brotam notificações de aplicativos, avisos sonoros e outras distrações.

 

Qual é o caminho para que um bebê exposto à literatura se torne um adolescente e um adulto leitor?

Trabalho com primeira infância e desenvolvimento há quase 30 anos. E não conheço um caminho certo para que isso aconteça. Não há como dizer que um bebê que ama os livros vá se tornar no futuro um adulto leitor. Sequer existe essa obrigatoriedade.

Mas o que tenho visto é que o contato com a literatura desde cedo fica guardado na memória poética e marca o desenvolvimento da criança. Essa marca pode se manifestar de diversas maneiras –inclusive no adulto que não é um leitor voraz ou frequente. Essa pessoa tem, em geral, uma confiança maior nas palavras, uma predisposição a fazer perguntas, uma curiosidade de aprender, uma relação próxima com o simbólico. Isso me interessa mais.

 

*

 

RAIO-X

 

Nome Yolanda Reyes

Idade 58

Livros recomendados “A Casa Imaginária” (Global), “O Terror do 6ºB e Outras Histórias” (FTD) e “Uma Cama Para Três” (SM)

 


GOSTOU?

Clique aqui e receba todas as novidades por email

Você pode entrar em contato com o blog pelo email blogeraoutravez@gmail.com

Ou pelo Instagram @blogeraoutravez

 

Conheça outros posts

]]>
0