Puritanos querem transformar crianças em Rapunzel, diz Pedro Bandeira

Pedro Bandeira veste uma camisa cor-de-rosa quando abre a porta de seu flat, na região dos Jardins, em São Paulo. “Se aquela ministra Damares me visse agora, ia falar que isso é salmão. Porque sou menino e, segundo ela, não posso usar rosa”, brinca.

Autor de livros para crianças e pré-adolescentes desde os anos 1980, entre eles sucessos como “A Droga da Obediência” e “A Marca de uma Lágrima”, Bandeira conta que passou o último mês acompanhando de perto o governo de Jair Bolsonaro.

E a avaliação de quem vendeu mais de 25 milhões de exemplares para esse público é que a infância está sendo usada como escudo para uma série de medidas conservadoras, encaradas por ele como retrocessos em sua maioria.

O principal deles, na opinião do escritor, é a aversão de ministros e do próprio presidente ao ensino de educação sexual nas escolas e a abordagem do tema em livros.

“Há uma diferença entre preservar a inocência e manter a ignorância. Impedir isso significa comprometer o combate às doenças sexualmente transmissíveis e a prevenção da gravidez juvenil”, afirma.

Para ele, não foi aprendida uma lição antiga, presente em um dos contos de fadas mais famosos dos irmãos Grimm.

“Pais mais puritanos, e agora o governo, querem transformar os filhos na Rapunzel e prendê-los em uma torre, sem perceber que isso prejudica as crianças”, diz. “Eles podem não saber, mas, nas versões mais antigas, a Rapunzel fica grávida do príncipe enquanto está presa.”

Aos 76 anos, Bandeira cresceu na casa da avó católica em Santos, no litoral paulista. Fã de gibis e dos livros de Alexandre Dumas e Hans Christian Andersen, ele logo se envolveu com a cena teatral e se tornou amigo de outro santista reconhecido nos palcos —Plínio Marcos, que o incentivou a se mudar para São Paulo.

“Eu vivi esse Brasil casto, fechado, atrasado, que está ensaiando retornar. E percebi que a maluquice mora nas pessoas. Elas não querem ensinar certos assuntos nas escolas porque acham tudo imundo. Mas os puritanos é que têm a mente suja, a imundice está na cabeça deles.”

Em São Paulo, Pedro Bandeira deixou o teatro (“porque precisava jantar, né”) e passou a trabalhar na imprensa durante o regime militar. Escreveu para a revista Opinião, para o Última Hora e passou boa parte da carreira na editora Abril, ocupando o cargo de redator de publicações como Claudia e Quatro Rodas.

“A censura era cruel, quase sádica”, lembra. Ele usa como exemplo a vez em que tentou registrar o lançamento de “Histórias das Quebradas do Mundaréu”, de 1973, livro de contos de seu amigo Plínio Marcos. “O texto voltou [do censor] com todos os verbos cortados com lápis vermelho. Eu podia publicar, mas sem os verbos. Percebe a crueldade?”

No sofá de sua sala, o criador da turma dos Karas cruza os braços, mexe no bigode, à medida que vai traçando pontes entre passado e presente. “Acho que esse governo não vai ter tanto poder quanto gostaria. Como você vai censurar a internet? Impedir livros sem que os professores reclamem? O país vai tropeçar, mas não vai cair.”

E antes que alguém o chame de esquerdista, Bandeira passa a descrever os governos do PT como o de um “sindicalista que quebrou a Petrobras” e o de “uma senhora que, quando era jovem, queria instaurar no Brasil outro tipo de ditadura”, reflexos de “um oportunismo civil extremamente corrupto” que vem do fim da ditadura aos dias de hoje.

“O que nenhum governo fez foi olhar para as crianças. E perceber que nossa educação é uma vergonha, que ficamos sempre nas últimas posições nos testes internacionais.”

Foi em 1983 que ele passou a olhar mais para as crianças e deixou o jornalismo para se dedicar aos livros infantis —“A Droga da Obediência” é de 1984, “A Marca de uma Lágrima” e “O Fantástico Mistério de Feiurinha”, de 1986.

“Hoje esses livros vendem mais do que quando foram lançados. Posso dizer que vivo de direitos autorais no Brasil.”

Mas como consegue, se diz que a educação no país é tão ruim? “Porque puxo o saco dos meus leitores e dos professores. E não de ministros que que fiscalizam se estou usando rosa ou azul.”

Foto: Karime Xavier/Folhapress

 


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