Era Outra Vez https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br Literatura infantojuvenil e outras histórias Wed, 28 Aug 2019 18:58:05 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Até já! https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/08/28/ate-ja/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/08/28/ate-ja/#respond Wed, 28 Aug 2019 18:58:05 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2888 Depois de três anos, centenas de livros e muitas conversas (com nomes que vão de Ziraldo a Eucanaã Ferraz, de Pedro Bandeira a Liniers), o blog vai fazer uma pausa mais prolongada e deixar de ser atualizado por enquanto.

Mas continuo falando sobre literatura na Ilustrada e todos os sábados no Painel das Letras.

Nos vemos lá!

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Ciência e poesia se misturam em livro para crianças enxergarem o invisível https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/07/10/ciencia-e-poesia-se-misturam-em-livro-para-criancas-enxergarem-o-invisivel/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/07/10/ciencia-e-poesia-se-misturam-em-livro-para-criancas-enxergarem-o-invisivel/#respond Wed, 10 Jul 2019 12:46:02 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2019/07/abre-320x213.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2880 Quanto de poesia cabe na ciência? Ou melhor: quanto de ciência cabe na arte?

Há quem diga que nada, que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Que a ciência orbita o campo da razão, enquanto a arte pertence ao campo oposto, onde estão os sentimentos e o sublime.

Mas como negar que foi o reflexo da lua na água –portanto, um fenômeno físico, mais especificamente ótico– que deu origem a um dos poemas mais bonitos da língua portuguesa, “Ismália”, de Alphonsus de Guimaraens: “Quando Ismália enlouqueceu,/ Pôs-se na torre a sonhar… /Viu uma lua no céu,/ Viu uma lua no mar […]”.

Ou que um fenômeno complexo como o deslocamento de areia do Saara em direção a outras partes do mundo tenha inspirado a música “Reconvexo”, de Caetano Veloso: “Eu sou a chuva que lança a areia do Saara/ Sobre os automóveis de Roma […]”.

Pois há inúmeros outros exemplos –e um dos mais interessantes para crianças é o livro “Assim Eu Vejo”, dos ucranianos Romana Romanyshyn e Andriy Lesiv, que foi publicado por aqui pela Editora do Brasil.

A obra se debruça sobre o universo da visão e da ótica e, como todo bom livro ilustrado, apresenta diferentes níveis de leitura. Dois são os eixos principais: de um lado está o texto, com alta carga poética; de outro, as ilustrações, que servem de base para curiosidades e informações puramente científicas.

Enquanto o texto embala o leitor com delicadezas como “todos têm vontade de se esconder de vez em quando” ou “os olhos me ajudam a encontrar verdadeiros tesouros”, pequenas frases conectadas aos desenhos e espalhadas pelas páginas abrem mão das metáforas para fazer as vezes de almanaque.

Página do livro ‘Assim Eu Vejo’ (Divulgação)

Informam, por exemplo, que os primeiros espelhos surgiram entre o terceiro e o primeiro milênio antes de Cristo. E que as pupilas funcionam como diafragmas de uma câmera fotográfica. Dizem ainda coisas mais malucas: você sabia que, por alguns dias depois do nascimento, os bebês enxergam o mundo de ponta-cabeça? Isso dura até que o cérebro se acostume.

É desse choque entre o quente e o frio, o sublime e o concreto, a ciência e a arte, que o livro extrai sua potência. Isso sem falar das ilustrações.

Especializados em design editorial, os autores criam desenhos com cores vibrantes e formas chapadas que se mesclam a colagens e fotos para criar um verdadeiro mergulho.

É como se fosse preciso ler o livro pelo menos três vezes para absorvê-lo completamente. Na primeira, presta-se a atenção no texto. Na segunda, nas informações científicas. Na terceira, nas ilustrações. Para, só assim, compreender não apenas o que está visível aos olhos –mas, sobretudo, o que está invisível.

 

“Assim Eu Vejo”

Autores e ilustradores Romana Romanyshyn e Andriy Lesiv

Tradutora Flora Manzione

Editora Editora do Brasil

Preço R$ 61,20 (2018, 64 págs.)

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Livro infantil apresenta Mazzaropi e discute arte popular com crianças https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/06/25/livro-infantil-apresenta-mazzaropi-e-discute-arte-popular-com-criancas/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/06/25/livro-infantil-apresenta-mazzaropi-e-discute-arte-popular-com-criancas/#respond Tue, 25 Jun 2019 12:56:23 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2019/06/abre-320x213.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2873 Era um acontecimento.

Os ônibus vinham lotados dos bairros mais distantes até o largo do Paissandu, no centro de São Paulo, onde os passageiros desciam e esperavam na calçada mesmo, em pé, em frente ao Cine Art Palácio. 

A maior parte deles nem conseguia ingressos para entrar naquele que era um dos principais cinemas de rua da época. Estamos entre os anos 1960 e 1970, quando o Cine Art Palácio costumava levar centenas de espectadores a um quadrilátero que estava longe de ser o espaço degradado que conhecemos hoje –ao contrário: a praça pulsava com produtoras e cinemas, caso do próprio Palácio e do Cine Ouro, que antes se chamava Bandeirantes. Ambos estão atualmente fechados, e o segundo deles chegou a se tornar um estacionamento.

Mas naquela época não era bem assim. E as pessoas atravessavam a capital para ver principalmente um nome: Mazzaropi, que arrastava multidões a cada lançamento de filme e tinha a sua produtora, a Pam-Filmes, no próprio largo.

Mazzaropi tornou popular a figura do caipira no cinema brasileiro, principalmente com o preguiçoso Jeca. Nos lançamentos de seus filmes, quem não conseguia bilhetes ficava na porta do cinema, esperando a chegada do artista. Sempre atento aos fãs, já era certo que, antes de o longa ser exibido, ele subiria a um pequeno palco, apresentaria o elenco do longa e daria um breve show, numa espécie de avô do stand-up, com velhas piadas e músicas antigas.

É essa figura e esse lado popular do cinema que o livro “Mazzaropi – Um Jeca Bem Brasileiro” apresenta para as crianças.

Escrito por Dílvia Ludvichak, com ilustrações de Luciano Tasso, o título faz quase uma escavação de um personagem cujos filmes são cada vez mais difíceis de serem vistos. Um diretor que, dos suas 34 produção, 26 foram feitas por ele mesmo, a partir da década de 1950 –sempre com relativo sucesso popular, alguns quebrando recordes de bilheteria (estima-se que 206 milhões de pessoas viram os seus filmes)

E, mesmo assim, ele quase sempre foi ignorado ou avacalhado pela crítica da época. “O zé povinho sabe bem o que quer, e o reflexo disso são os recordes de bilheteria de meus filmes, que são chamados de fitinhas e não vão a festivais”, costumava dizer Mazzaropi.

Em ordem cronológica, o livro conta em versos rimados a vida do cineasta. Mostra a mudança de seus pais para o interior, quando ele ainda era criança. Passa pela infância no mato, comparada à de Monteiro Lobato. Conta brevemente a criação do personagem Jeca Tatu e fala de uma certa valorização do jeito interiorano como seu projeto artístico –em certa medida, um contraponto à maneira como o Jeca é visto hoje: um personagem caricatural e preconceituoso com os moradores do interior.

No fim, há ainda um glossário com curiosidades e a filmografia de Mazzaropi, para quem quiser conhecer mais sobre o diretor.

Ilustração de ‘Mazzaropi – Um Jeca Bem Brasileiro’, feita por Luciano Tasso (Divulgação)

Mas mais do que a iluminação de uma figura que ainda hoje é controversa dentro do cinema brasileiro, o livro traz uma reflexão sutil, mas poderosa: como a crítica deve tratar a arte essencialmente popular?

No caso de Mazzaropi, a imprensa e o mercado simplesmente torciam o nariz ao analisar seus filmes, linguagem, montagem, estrutura. E eram incapazes de compreender o que levava milhares de pessoas ao largo do Paissandu, após horas de transporte público, só para chegar perto daquela figura.

“Falam mal de mim. Só quero ver quando eu morrer. Daí vão fazer festivais com os meus filmes, e tem gente que é capaz até de falar que fui um gênio. Quer saber? Deixa pra lá. Quando eu morrer, isso já não terá nenhuma importância”, disse certa vez o diretor.

Mazzaropi morreu em junho de 1981, há 38 anos, depois de ficar internado no hospital Albert Einstein, em São Paulo, para tratar um câncer de medula. Tinha 69 anos. De lá para cá, a pergunta sobre a maneira de encarar a arte mais popular ainda não foi respondida. Mas já há quem diga que ele foi um gênio.

 

“Mazzaropi – Um Jeca Bem Brasileiro”

Autora Dílvia Ludvichak

Ilustrador Luciano Tasso

Editora Paulus

Preço R$ 29 (2018, 32 págs.)

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Livro de Rita Lee sobre a ursa mais triste do mundo ganha capa https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/05/28/livro-de-rita-lee-sobre-a-ursa-mais-triste-do-mundo-ganha-capa/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/05/28/livro-de-rita-lee-sobre-a-ursa-mais-triste-do-mundo-ganha-capa/#respond Tue, 28 May 2019 18:19:52 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2019/05/abre-1-320x213.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2867 A ursa mais triste do mundo, que vai ter sua história contada por Rita Lee, acaba de ganhar as suas primeiras ilustrações.

Marsha, a ursa siberiana que vivia no quente e abafado zoológico de Teresina, vai ser personagem de um livro infantil escrito pela cantora, que publicou em suas redes sociais a capa do novo título.

“Amiga Ursa – Uma História Triste, mas com Final Feliz” tem previsão de lançamento para julho, pela Globinho. Na capa, a ursa e Rita Lee se abraçam, em ilustração de Guilherme Francini.

A Ilustrada contou a história de Marsha no mês passado (leia aqui).

Após passar pelo circo, a ursa vivia no zoológico do Piauí e enfrentava o calor de 40 graus da região. Estressada, cega e infeliz, ela costumava andar em círculos e chegou a perder  grandes áreas de sua pelagem. Seu peso normal de 200 quilos acabou reduzido pela metade.

O caso logo chamou a atenção de organizações de proteção aos animais. A atriz Alexia Dechamps encampou o projeto e Gloria Pires gravou vídeo pedindo aos políticos locais que liberassem Marsha. A apresentadora Luisa Mell se prontificou a construir um recinto com tanque e queda d’água para a ursa, com ajuda de seu instituto, a um custo de cerca de R$ 100 mil. O destino foi o Rancho dos Gnomos, em Joanópolis, no interior paulista.

Em sua nova casa, Marsha recebeu um novo nome: Rowena, que significa “recomeço”.

Foi quando Rita Lee conheceu a ursa e resolveu escrever sobre ela para crianças. Enquanto Rowena espera o lançamento de sua história, ela passa os dias comendo carne, ovos e mel, além de frutas (manga, mamão, melancia, laranja, goiaba, melão, banana, uva, carambola e abacaxi) e legumes (cenoura, tomate, batata doce, pepino, couve, brócolis e acelga).

 


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Aladim vivia na China e tinha dois gênios; conheça a história original https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/05/24/aladim-vivia-na-china-e-tinha-dois-genios-conheca-a-historia-original/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/05/24/aladim-vivia-na-china-e-tinha-dois-genios-conheca-a-historia-original/#respond Fri, 24 May 2019 18:59:55 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2019/05/aladimabre-320x213.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2858 A história ficou conhecida assim: Aladim é um rapaz pobre e órfão que vive na cidade árabe de Agrabah, onde rouba para sobreviver na companhia do macaco Abu. Puro de coração, ele se envolve em uma aventura na qual encontra uma lâmpada mágica e um Gênio piadista que lhe concede três desejos. Apaixonado pela princesa Jasmine, Aladim usa essa magia para se aproximar do palácio do sultão e conquistar a garota. Num desenrolar que envolve ainda um tapete mágico e um conselheiro maquiavélico que deseja a lâmpada mágica, ele percebe que não precisa fingir ser outra pessoa para ter o que deseja. Fim.

Assim está estruturado o desenho da Disney, lançado em 1992. Assim é também o novo filme do estúdio, “Aladdin”, que recria a aventura com atores de carne e osso. Para ler a crítica do novo filme que escrevi na Ilustrada, clique aqui.

Pois bem: a história não é bem assim em sua versão original. Aladim, na verdade, vivia no interior da China e não era órfão. Ele tinha dois gênios, um na lâmpada mágica e outro em um anel, e nenhum deles era espirituoso ou engraçado. A princesa também não se chamava Jasmine. E pode esquecer o tapete mágico, o macaco Abu e o tigre que morava no palácio.

Embalada pelo filme, a Zahar publicou recentemente um livrinho curto, feito para ser lido de uma vez só, com a história original de Aladim. Nela, temos contato com a versão do conto que faz parte de “As Mil e uma Noites” –a história é uma das que Sherazade narra ao sultão, a fim de não ser morta quando suas narrativas acabarem.

Na antiga versão, Aladim é um rapaz que não quer nada da vida. Filho de um tecelão, ele acaba matando (literalmente) o pai de desgosto porque só quer ficar na rua e nem pensa em aprender a profissão da família. Morando apenas com a mãe e vivendo completamente na flauta, ele um dia recebe a visita de um suposto tio.

O personagem, na verdade, é o mago Magreb, que recebe esse nome por ser dessa região ao norte da África. O livro não deixa muito claro por que, mas ele escolhe Aladim para uma missão: encontrar a lâmpada mágica que está naquele confim da China.

A cena é menos suntuosa do que no desenho –não há uma caverna com cara de felino, abrindo a boca para receber o “diamante bruto”. Na verdade, o mago faz um pirlimpimpim e a passagem secreta se abre debaixo de uma pedra. Cheia de tesouros, a cova esconde a lâmpada em sua última sala. Ao contrário da versão do Mickey, Aladim não encontra nenhum tapete mágico por ali.

Depois de um desentendimento, o personagem acaba ficando preso dentro da caverna, de onde só sai com a ajuda de um gênio. Mas não o da lâmpada: o do anel. Pois é, o personagem recebeu um anel do tal mago, no qual também vivia um desses seres mágicos, mas menos poderoso do que o gênio da lâmpada. Isso faz com que Aladim saia do soterramento com dois gênios e uma infinidade de pedidos –afinal, essa história de três pedidos é coisa da Disney; na história original, o menino não tinha limites de realizações.

Embora o céu fosse o limite, isso não quer dizer que ele tenha esbanjando. Para não dar bandeira para os vizinhos, Aladim opta por uma vida confortável com a mãe, mas não digna de ser um “parça” do Neymar. Pelo menos até ele ver a princesa, filha do sultão.

A Disney resolveu mudar o nome da garota para Jasmine, porque o original é realmente complicado: ela se chama Badr al-Budur. Completamente apaixonado, Aladim move mundos e fundos (e dois gênios) para conquistá-la. Para isso, precisa acabar com a vontade do vizir, conselheiro do sultão, que deseja casar a princesa com um de seus filhos.

Ou seja: Jafar e seu papagaio, cativantes vilões do desenho animado, também não existem no conto de Sherazade. Ele é, na verdade, uma união de dois personagens, o mago Magreb e o conselheiro do sultão.

‘Aladdin’, desenho animado da Disney de 1992 (Divulgação)

Quando Aladim finalmente se casa com Budur, o mago fica sabendo e retorna à China para recuperar a lâmpada. E aqui vão alguns spoilers em relação ao final.

Enquanto, na versão da Disney, Jafar entra em uma escalada de ganância que só termina quando ele mesmo se torna um gênio e fica aprisionado em uma lâmpada, Magreb tem um final menos carnavalesco. Em posse do objeto mágico, o mago rapta a princesa e força a jovem a casar-se com ele. Mas, no fim, é envenenado por ela e acaba morrendo.

Depois disso, um irmão de Magreb também surge na história para vingar a morte do personagem, mas é assassinado por Aladim com uma facada no coração, pondo um fim à aventura.

Pois é: nada de Gênio livre curtindo a vida adoidado ao redor do mundo nem de lágrimas com a cena que mostra o caráter do herói.

Por fim, a última reviravolta. Embora a história de Aladim conste como pertencente a “As Mil e uma Noites”, isso não é bem assim também. Como mostra Paulo Lemos Horta nos prefácios da edição, a narrativa foi incluída entre as narrativas de Sherazade muito depois, já no século 18, em edições francesas.

O conto não está presente em nenhum manuscrito árabe antigo encontrado e aparece pela primeira vez em uma coletânea parisiense feita por Antoine Galland –além de “Aladim”, foi acrescentado também outro clássico: “Ali Babá e os Quarenta Ladrões”.

Em seu diário, Galland conta que ouviu as histórias de um viajante de Alepo, na Síria, chamado Hanna Diyab. O que deixa um certo mistério no ar, já que ninguém sabe quem é o verdadeiro autor de “Aladim”, já que Diyab afirmava que ouvira a história de Aladim nos cafés de seu país.

O fato é que “Aladim” se consolidou como uma das principais narrativas de “As Mil e uma Noites” a partir de então. E foi recheada de fofura e bom-mocismo muito depois, principalmente com a animação da Disney, já nos anos 1990.

 

“Aladim”

Tradução do original Yasmine Seale

Tradução  para o português José Roberto O’Shea

Editora Zahar

Preço R$ 39,90 (2019, 144 págs.)

Leitor avançado + leitura compartilhada

 


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Paula Fábrio lança infantil inédito e nova edição de seus dois romances https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/05/17/paula-fabrio-lanca-infantil-inedito-e-nova-edicao-de-seus-dois-romances/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/05/17/paula-fabrio-lanca-infantil-inedito-e-nova-edicao-de-seus-dois-romances/#respond Fri, 17 May 2019 17:44:00 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2019/05/abre-320x213.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2852 No início há o deslocamento. E uma sensação de quase aprisionamento, como se o mundo de verdade não fosse este, mas estivesse sempre do lado de lá –pra lá da rua, da fresta onde surge o mar, longe dos corredores com muros altos.

É desse sentimento de estranheza, como se os corpos dos personagens não coubessem nas roupas, que nasce o novo livro da escritora Paula Fábrio. “No Corredor dos Cobogós”, que será lançado neste sábado (18) pela editora SM, não é apenas a primeira obra inédita da autora desde “Um Dia Toparei Comigo” (2015). A história é a entrada dela na literatura infantojuvenil.

Escrito após uma oficina literária que a escritora fez com pré-adolescentes, o romance é indicado justamente para essa faixa etária –aquela em que meninos não são mais crianças, mas ainda estão longe de serem adultos, período para o qual as editoras costumam ter certa dificuldade de lançar obras e encontrar autores dispostos a escrever.

Na trama, Haidê vive em Santos, em um desses prédios que só ficam ocupados nas férias e que se alternam entre o vazio completo e a invasão de veranistas e famílias que descem a serra para passar uns dias à beira-mar. Presa em uma quitinete com a mãe, a garota se vê impossibilitada de explorar a cidade sozinha.

Contada em dois tempos, a narrativa é intercalada com Benjamin, um garoto que décadas depois vai morar com a avó no mesmo apartamento onde Haidê vivia e no qual ele acaba achando o diário escondido da menina.

Esses escritos têm início em um dos breves períodos de liberdade, quando Haidê dá um boné na mãe e consegue flanar desacompanhada pelas ruas santistas. Em uma cena que mistura perda de direção e o atropelamento de um cachorro, ela acaba conhecendo Michel, artista plástico mais velho que se torna seu amigo.

Personagem central na história, Michel foi inspirado em uma pessoa real: o crítico literário Alfredo Monte, que morreu no fim do ano passado após três anos com ELA (esclerose lateral amiotrófica), doença degenerativa que leva à paralisia. “A amizade da Haidê com ele foi um jeito que encontrei para eu mesma tentar ser amiga do Alfredo”, conta Paula.

É quando Michel começa a perder os movimentos que Haidê passa a escrever seu diário e a cambalear rumo à vida adulta e independente. E é esse caderno recheado de pensamentos e confissões que acaba servindo de guia anos depois para Benjamin decidir se vai morar com o pai ou com a mãe, que estão se separando.

Feito para ser lido em uma tacada só, “No Corredor dos Cobogós” parte de dois personagens deslocados e em busca de seu lugar para falar diretamente, sem intermediários, com um leitor que invariavelmente passa pelos mesmos dilemas e se sente da mesma forma.

 

“No Corredor dos Cobogós”

Autora Paula Fábrio

Editora SM

Preço R$ 41 (2019, 132 págs.)

Leitor fluente

Lançamento neste sábado (18), a partir das 15h, na livraria Martins Fontes (av. Paulista, 509, São Paulo)

 

*

 

RELANÇAMENTOS

Além de “No Corredor dos Cobogós”, Paula relança também seus dois romances adultos: “Desnorteio”, que havia sido publicado pela editora Patuá e venceu o Prêmio São Paulo de Literatura em 2013, e “Um Dia Toparei Comigo”, lançado pela Foz.

Os títulos ganham nova edição e novas capas por um selo próprio da autora, o Oficina Paula Fábrio, e recolocam em circulação as duas histórias, difíceis de serem encontradas atualmente nas livrarias. Cada um será vendido por R$ 45.


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Como falar de preconceito e relações raciais com crianças? https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/05/14/como-falar-de-preconceito-e-relacoes-raciais-com-criancas/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/05/14/como-falar-de-preconceito-e-relacoes-raciais-com-criancas/#respond Tue, 14 May 2019 14:33:33 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2019/05/f1ac9471769015.5bd084d10ea79-1-320x213.png https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2844 “Papai, que bom, porque eu sou pretinha também!”

A frase que fecha “Amoras”, livro infantil do músico Emicida, não serve de conclusão apenas para a sua história –mas também para uma série de títulos para crianças que vêm ganhando destaque ao abordar temas como racismo, relações raciais e aceitação.

Cada um traz uma estratégia e uma narrativa diferentes. Mas concordam em abordar a questão a partir da literatura, muitas vezes sem um tom professoral e didático e sem respostas fáceis. É o caso de “Amoras”.

Em sua primeira obra infantil, Emicida parte da fruta do título e de um narrador que conta para sua filha que as amoras mais pretinhas são as mais doces, as melhores que existem.

A partir daí, ele mistura figuras como Muhammed Ali, Martin Luther King e Zumbi para expandir o livro para fora do pomar e chegar à frase que abre este texto –tudo com delicadeza e um deslocamento de significados que fazem brotar nas entrelinhas uma mensagem de aceitação e, para usar uma palavra da moda, de empoderamento.

O recém-lançado “Chapeuzinho e o Leão Faminto” consegue os mesmos resultados, mas de maneira ainda mais sutil e com um diferencial que faz o livro esbarrar na genialidade: o texto não traz nenhuma palavra relacionada a cor de pele, tipo de cabelo ou qualquer outra característica física.

A narrativa é uma adaptação do conto clássico original, mas com algumas diferenças. A motivação do passeio da protagonista é levar remédios para a tia doente. No caminho, ela passa por girafas, macacos, gazelas e suricatos. Mesmo o vilão não é o lobo –quem está faminto para devorar a menina é um leão de barriga vazia.

São os elementos visuais escolhidos pelo autor e ilustrador, Alex T. Smith, que logo fazem com que o leitor situe a história na África e na savana. No lugar da menina branca, há uma protagonista negra, de cabelos crespos, cercada por uma estética e uma paleta de cores tipicamente africanas.

Como nos bons livros ilustrados, texto e imagens trazem informações próprias que, quando conectadas, transmitem uma mensagem poderosa e não subestimam a inteligência das crianças.

Cada qual a sua maneira, as duas narrativas põem meninos e adultos na roda não apenas para pensar sobre preconceitos, mas deixam diversas pontas prontas para serem puxadas e servirem de temas para debates. Na sociedade brasileira, as “pretinhas” são mesmo vistas como as melhores? Quem disse que a Chapeuzinho não pode ser negra?

Ilustração de “Nós de Axé”, da editora Aletria (Divulgação)

Outro livro que deixa pontas para conversas é “Nós de Axé”, da escritora Janaína de Figueiredo –ou melhor: são fitas que estimulam o bate-papo.

O livro parte de uma história sobre as fitinhas coloridas do Senhor do Bonfim para dar um banho de cheiro e de cultura popular da Bahia. Lá estão as mandingas, os orixás, a escadaria do Senhor do Bonfim, a cocada da avó, a capoeira e outros elementos inseridos de forma homeopática que despertam a curiosidade para um pedaço do Brasil que ainda não é visto na maior parte das escolas.

A partir daí, deixa a pergunta: por que muita gente não conhece bem a cultura que transborda das páginas? Será que existe hierarquia entre as culturas ditas erudita e popular? As perguntas vão se desamarrando como os nós das fitinhas, cada um contendo um desejo ou pedido secreto.

Mas nem todos os livros optam pela sutileza, é claro. “Meu Crespo É de Rainha”, da escritora americana Bell Hooks, por exemplo, manda as entrelinhas às favas e escancara o tema como um grito.

“Feliz com meu cabelo firme e forte,/ com cachos que giram/ e o fio feito mola se enrola,/ vira cambalhota!”, escreve a autora, em seu hino de aceitação e protagonismo condensado em 32 páginas densamente ilustradas.

É o caso também de “Que Cabelo É Esse, Bela?”, que conta a história de uma menina que adorava sair na chuva –mas tudo muda quando crianças da escola começam a falar que seu cabelo fica feio quando isso acontece. “O que é isso na sua cabeça?”, “Que cabelo é esse?”, perguntam os outros garotos para uma personagem cada vez mais amuada e reclusa.

O livro até tenta metaforizar o assunto, com uma história de que, quando os fios de Bela são molhados pelos pingos das nuvens, logo surgem cores vibrantes em suas madeixas. Mas é só um artifício para a mensagem de força e aceitação que permeia toda a narrativa, sem disfarces ou chances de o leitor interpretar outras coisas.

As duas obras preferem ir ao cerne da questão, sem papas na língua, para no fim concluírem: “Feliz com o meu crespo!” ou “Que cabelo lindo é esse, Bela?”.

Ou poderia ser ainda: “Papai, que bom, porque eu sou pretinha também!”

 

LIVROS CITADOS NESTE TEXTO

 

 

“Amoras”

Autor Emicida

Ilustrador Aldo Fabrini

Editora Companhia das Letrinhas

Preço R$ 29,90 (2018, 44 págs.)

Leitor iniciante + leitura compartilhada

 

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“Chapeuzinho e o Leão Faminto”

Autor e ilustrador Alex T. Smith

Tradutora Gilda de Aquino

Editora Brinque-Book

Preço R$ 41,30 (2019, 32 págs.)

Leitor iniciante + leitura compartilhada

 

*

 

“Nós de Axé”

Autora Janaína de Figueiredo

Ilustradora Paulica Santos

Editora Aletria

Preço R$ 35 (2018, 40 págs.)

Leitor iniciante + leitura compartilhada

 

*

 

“Meu Crespo É de Rainha”

Autora Bell Hooks

Ilustradora Chris Raschka

Tradutora Nina Rizzi

Editora Boitatá

Preço R$ 35 (2018, 32 págs.)

Leitor iniciante + leitura compartilhada

 

*

 

“Que Cabelo É Esse, Bela?”

Autora Simone Mota

Ilustradora Roberta Nunes

Editora Editora do Brasil

Preço R$ 43,10 (2018, 32 págs.)

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Livro de Brecht para crianças parece feito sob medida para o Brasil de 2019 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/05/01/livro-de-brecht-para-criancas-parece-feito-sob-medida-para-o-brasil-de-2019/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/05/01/livro-de-brecht-para-criancas-parece-feito-sob-medida-para-o-brasil-de-2019/#respond Wed, 01 May 2019 13:36:54 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2019/04/tubaroes-fossem-homens-livro-brecht-320x213.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2834 O mundo era outro quando o escritor e dramaturgo alemão Bertolt Brecht começou a escrever uma série de contos curtos, ainda em 1926.

Nos anos seguintes, Brecht terminaria uma de suas peças mais famosas (“A Ópera dos Três Vinténs”, de 1928), Hitler iria se tornar chanceler da Alemanha (1933), o escritor teria que fugir do país com a família, o Exército alemão invadiria a Polônia, dando início à Segunda Guerra Mundial (1939) e fazendo com que o mundo e o próprio autor nunca mais fossem os mesmos.

É desse caldo que nasce “Se os Tubarões Fossem Homens”, narrativa breve que foi lançada agora no Brasil na forma de um livro ilustrado para crianças e jovens pela editora Olho de Vidro, com desenhos do premiado Nelson Cruz.

A trama se desenrola a partir da pergunta de uma menina: se os homens fossem tubarões, eles seriam gentis com os peixinhos? A partir daí, Brecht destila ironia e acidez para mostrar como a sociedade europeia estava organizada àquela altura –sim, o livro foi feito no turbilhão da primeira metade do século 20, mas cairia como uma luva no Brasil de 2019.

Ilustração de Nelson Cruz para ‘Se os Tubarões Fossem Homens’, da editora Olho de Vidro (Divulgação)

Quando o alemão escreve que as escolas dos peixinhos priorizariam a formação moral e que “o futuro deles só estará garantido se estudarem com obediência”, é difícil não se lembrar do ex-ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, afirmando que a educação moral e cívica deve ser base do ensino brasileiro.

Se os tubarões dizem que os peixinhos devem avisar imediatamente se notarem qualquer sinal de marxismo, logo ecoam as trombetas de Jair Bolsonaro contra o “lixo marxista que se instalou nas instituições de ensino” ou as falas do atual ministro da Educação, Abraham Weintraub, defendendo o expurgo do marxismo cultural.

Um pouco mais adiante no livro, os predadores condecoram com uma medalha de algas os peixes que matam os inimigos. Já no Brasil de 2019, Bolsonaro quer isentar de punição os proprietários rurais que atirarem em invasores, o governador de São Paulo, João Doria, homenageia 11 policiais que mataram criminosos, e o governador do Rio, Wilson Witzel, diz autorizar o “abate” de criminosos portando armas pesadas e mirando “na cabecinha”.

Mesmo com uma narrativa curta, “Se os Tubarões Fossem Homens” tem outros diversos exemplos –deixo só mais um. A certa altura, os tubarões decidem que “acabaria essa história de que todos os peixinhos são iguais” e que, a partir de então, escolheriam alguns que “ocupariam cargos que os colocariam acima dos demais”. Vale lembrar que, em março, a Folha publicou um levantamento apontando que governadores eleitos nas eleições do ano passado deram cargos para mulheres, irmãs, cunhadas, primos, sobrinhos e até ex-mulher.

É claro que o livro traz também partes que hoje transparecem desbotadas, caso da insistência em um certo internacionalismo comunista e na noção de artificialidade das fronteiras nacionais.

Mas não muda um fato: a história, que começa com a pergunta da menina-personagem, termina plantando uma dúvida na cabeça do leitor brasileiro. Brecht é desses autores capazes de criar uma literatura sempre atual, que ganha novos contornos e significados com o passar do tempo? Ou é o Brasil que caminha para trás e retrocede décadas na história?

 

“Se os Tubarões Fossem Homens”

Autor Bertolt Brecht

Tradutora Christine Röhrig

Ilustrador Nelson Cruz

Editora Olho de Vidro

Preço R$ 49,90 (2018, 48 págs.)

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Não se assuste se crianças traficarem ‘Chapeuzinho Vermelho’ no recreio https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/04/23/nao-se-assuste-se-criancas-traficarem-chapeuzinho-vermelho-no-recreio/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/04/23/nao-se-assuste-se-criancas-traficarem-chapeuzinho-vermelho-no-recreio/#respond Tue, 23 Apr 2019 19:35:42 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2019/04/ilustração-do-livro-Uma-Chapeuzinho-Vermelho-da-autora-e-ilustradora-Marjolaine-Leray.-1-320x213.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2827 O lobo de olhos grandes e boca maior ainda não vai mais comer a Chapeuzinho –pelo menos se depender de uma escola de Barcelona.

A imprensa espanhola repercutiu na última semana o caso do colégio Tàber, vinculado à prefeitura da cidade, que decidiu retirar de sua biblioteca 200 livros destinados a alunos de até seis anos. A justificativa é que foram considerados “tóxicos” por reproduzirem padrões sexistas.

Entre os títulos, que correspondem a 30% do acervo, estão contos clássicos como “Chapeuzinho Vermelho” e “A Bela Adormecida”. O critério é simples: se as histórias trazem apenas garotos em papéis valentes ou somente meninas com a carapuça da fragilidade, as narrativas não devem chegar aos alunos e merecem ficar na escuridão.

“A sociedade está mudando e está mais sensível a questões de gênero, mas isso não vem se refletindo nas histórias”, disse Anna Tutzó ao jornal espanhol El País. Ela foi uma das mães participantes da comissão que revisou o acervo da escola e retirou as obras de circulação.

Mais do que uma discussão pontual sobre livros e conteúdos de alguns contos de fadas, a decisão do colégio espanhol deixa duas lições maiores.

A primeira é que a sanha censória não distingue esquerda e direita. Muito se fala sobre governos mais próximos à direita que desejam proibir livros, sobretudo aqueles infantis que esbarram em temas ligados a igualdade de gênero, homossexualidade, transexualidade e educação sexual.

“Um pai não quer chegar em casa e ver o filho brincando com boneca por influência da escola”, declarou no ano passado o ainda candidato Jair Bolsonaro no Jornal Nacional. Na ocasião, ele se referia ao livro “Aparelho Sexual e Cia.”, sobre educação sexual para pré-adolescentes, publicado no Brasil pela editora Seguinte.

Ora, se parece pouco defensável retirar das escolas uma obra infantil que tenha personagem homossexual, também deveria parecer pouco defensável proibir “Chapeuzinho Vermelho” porque só as figuras masculinas (o lobo e o lenhador, no caso) detêm o monopólio da violência. Se soa mirabolante acreditar que uma criança possa se tornar transexual por ler um livro, também deveria soar mirabolante acreditar que uma leitora de “A Bela Adormecida” está fadada se tornar indefesa até a chegada de um príncipe salvador por causa do conto de fadas.

No fundo, a matéria-prima é a mesma: uma vontade incontrolável de decidir o que os outros devem ler.

“Chapeuzinho Vermelho” ilustrado por Mariana Massarani para a editora Manati (Divulgação)

“Uma das principais desculpas para a censura é a segurança. Você comete uma violência justificando que certos setores estão em perigo”, afirmou a este blog, em 2017, Maria Cristina Castilho Costa, do observatório sobre censura da USP. Na época, ela comentava o caso da escritora e ilustradora Silvana Rando, que optou por retirar o seu livro “Peppa” de circulação após pressão de grupos que enxergaram racismo na história (saiba mais aqui).

No caso da infância, há um ingrediente a mais –o que nos leva à segunda lição: tanto um lado quanto o outro do espectro ideológico enxergam a criança como um ser incapaz de ter uma compreensão mais sofisticada das narrativas, servindo como uma esponja sem filtros a tudo o que é exposta. A noção é, no mínimo, polêmica. Para muitos, equivocada.

Mas, mesmo que essa ideia fosse verdadeira, pais e professores censores tomam um caminho tortuoso: preferem a opção mais fácil para eles (a proibição), e não a mais indicada para o desenvolvimento das próprias crianças. Com isso, perdem a oportunidade de discutir assuntos importantes com seus filhos ou alunos, de expô-los a outras realidades, de mostrar o contraditório. E esquecem que redomas de vidro, inevitavelmente, se rompem mais cedo ou mais tarde.

Como costuma dizer o escritor Pedro Bandeira, esses adultos buscam uma suposta manutenção da inocência ou uma não contaminação por padrões sexistas, mas acabam perpetuando a ignorância. Um livro com personagem gay pode ser um bom início de preparação para um mundo sexualmente diverso. Uma história com heróis que repetem padrões sexistas pode ser um gancho para uma conversa sobre esse tipo de comportamento em casa ou na escola.

Nenhum bom livro de literatura infantil traz respostas prontas. Ao contrário: ele é um poderoso início de diálogos e de reflexões na mão de mediadores interessados e de leitores curiosos.

Até porque dificilmente todas as pessoas que sofrem proibições aceitam passivamente a censura –sejam os censurados crianças ou adultos. A ditadura de Stálin não conseguiu varrer Trótski da história. O regime militar brasileiro não pôde exterminar todos os livros e músicas considerados subversivos.

Não se assuste se, em breve, crianças forem flagradas traficando páginas xerocadas de “Chapeuzinho Vermelho” na hora do recreio.

 


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Hilda Hilst não entendia as ‘crionças’ e ganha único livro infantil https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/03/22/hilda-hilst-nao-entendia-as-crioncas-e-escreveu-unico-poema-infantil/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/03/22/hilda-hilst-nao-entendia-as-crioncas-e-escreveu-unico-poema-infantil/#respond Fri, 22 Mar 2019 22:18:07 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2019/03/abre-320x213.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2814 Quando a Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, confirmou que a autora homenageada na edição do ano passado seria Hilda Hilst, os organizadores do evento apresentaram a sua literatura como uma produção que gira em torno do amor, da morte, do misticismo e da transcendência.

Um resumo, é claro. Mas um cartão de visitas que pode ajudar a abrir as portas do universo da escritora para um público mais amplo.

É mais ou menos isso o que faz também “Eu Sou a Monstra”. O poema infantil de Hilst (leia a íntegra aqui), publicado agora na forma de um livreto, com costura externa e pinta de artesanal, ultrapassa a simples diversão entre pais e filhos ou a história para ser lida antes de dormir.

Os versos funcionam como introdução à obra da autora –com um ingrediente raro: eles são capazes de seduzir tanto crianças quanto adultos.

Talvez porque Hilst não fosse tão fã assim dos pequenos. “Eu não entendo as ‘crionças’. Elas não me entendem. Ficam olhando para mim, esquisitíssimas”, disse certa vez. “Crionças” é como ela se referia a essa faixa etária, em uma mistura de criança com onça.

A falta de idealização da infância fazia Hilst tratar meninos e meninas em pé de igualdade. Sobretudo um: Daniel, filho do espanhol Mora Fuentes, amigo da autora que visitava sua Casa do Sol, sítio em Campinas, no interior paulista, que servia de retiro artístico.

Daniel, que hoje é presidente do Instituto Hilda Hilst, era chamado por ela de “meu amigo Daniel” –e essa é a dedicatória de “Eu Sou a Monstra”, que foi escrito para o garoto e, até onde se sabe, é a única produção infantil de Hilst.

“Eu sou a Monstra./ Procuro o Daniel / Para desenhar comigo/ A Monstra no papel”, começa o texto, que é intercalado por desenhos feitos à mão pela escritora –mas que poderiam muito bem ter saído do caderno de uma criança.

O visual despretensioso e a linguagem direta repleta de quebras de expectativas ajudam a prender a atenção do leitor que ainda está aprendendo a ler. “Eu sou assim?/ A bruxa do mato/ Montada num cavaco?/ (atenção: é cavaco e não cavalo)”, escreve.

Mas aproxima também o adulto que busca um flanco de entrada na produção de Hilst. De certa forma, “Eu Sou a Monstra” pode ser o primeiro degrau que leva a “Da Poesia”, livro publicado pela Companhia das Letras que reúne a produção poética da autora.

Com uma vantagem. Em vida, Hilst lançou grande parte de seus livros de forma artesanal, alguns dos quais pelas mãos do editor Massao Ohno. A edição de “Eu Sou a Monstra” é uma reverência a isso, após a descoberta de sua literatura pelo mercado editorial.

 

Eu Sou a Monstra – Hilda Hilst para Crionças

Autora e ilustradora Hilda Hilst

Editora Quelônio

Preço R$ 60 (2018, 54 págs.)

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