Era Outra Vez https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br Literatura infantojuvenil e outras histórias Wed, 28 Aug 2019 18:58:05 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Ciência e poesia se misturam em livro para crianças enxergarem o invisível https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/07/10/ciencia-e-poesia-se-misturam-em-livro-para-criancas-enxergarem-o-invisivel/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/07/10/ciencia-e-poesia-se-misturam-em-livro-para-criancas-enxergarem-o-invisivel/#respond Wed, 10 Jul 2019 12:46:02 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2019/07/abre-320x213.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2880 Quanto de poesia cabe na ciência? Ou melhor: quanto de ciência cabe na arte?

Há quem diga que nada, que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Que a ciência orbita o campo da razão, enquanto a arte pertence ao campo oposto, onde estão os sentimentos e o sublime.

Mas como negar que foi o reflexo da lua na água –portanto, um fenômeno físico, mais especificamente ótico– que deu origem a um dos poemas mais bonitos da língua portuguesa, “Ismália”, de Alphonsus de Guimaraens: “Quando Ismália enlouqueceu,/ Pôs-se na torre a sonhar… /Viu uma lua no céu,/ Viu uma lua no mar […]”.

Ou que um fenômeno complexo como o deslocamento de areia do Saara em direção a outras partes do mundo tenha inspirado a música “Reconvexo”, de Caetano Veloso: “Eu sou a chuva que lança a areia do Saara/ Sobre os automóveis de Roma […]”.

Pois há inúmeros outros exemplos –e um dos mais interessantes para crianças é o livro “Assim Eu Vejo”, dos ucranianos Romana Romanyshyn e Andriy Lesiv, que foi publicado por aqui pela Editora do Brasil.

A obra se debruça sobre o universo da visão e da ótica e, como todo bom livro ilustrado, apresenta diferentes níveis de leitura. Dois são os eixos principais: de um lado está o texto, com alta carga poética; de outro, as ilustrações, que servem de base para curiosidades e informações puramente científicas.

Enquanto o texto embala o leitor com delicadezas como “todos têm vontade de se esconder de vez em quando” ou “os olhos me ajudam a encontrar verdadeiros tesouros”, pequenas frases conectadas aos desenhos e espalhadas pelas páginas abrem mão das metáforas para fazer as vezes de almanaque.

Página do livro ‘Assim Eu Vejo’ (Divulgação)

Informam, por exemplo, que os primeiros espelhos surgiram entre o terceiro e o primeiro milênio antes de Cristo. E que as pupilas funcionam como diafragmas de uma câmera fotográfica. Dizem ainda coisas mais malucas: você sabia que, por alguns dias depois do nascimento, os bebês enxergam o mundo de ponta-cabeça? Isso dura até que o cérebro se acostume.

É desse choque entre o quente e o frio, o sublime e o concreto, a ciência e a arte, que o livro extrai sua potência. Isso sem falar das ilustrações.

Especializados em design editorial, os autores criam desenhos com cores vibrantes e formas chapadas que se mesclam a colagens e fotos para criar um verdadeiro mergulho.

É como se fosse preciso ler o livro pelo menos três vezes para absorvê-lo completamente. Na primeira, presta-se a atenção no texto. Na segunda, nas informações científicas. Na terceira, nas ilustrações. Para, só assim, compreender não apenas o que está visível aos olhos –mas, sobretudo, o que está invisível.

 

“Assim Eu Vejo”

Autores e ilustradores Romana Romanyshyn e Andriy Lesiv

Tradutora Flora Manzione

Editora Editora do Brasil

Preço R$ 61,20 (2018, 64 págs.)

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Livro infantil apresenta Mazzaropi e discute arte popular com crianças https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/06/25/livro-infantil-apresenta-mazzaropi-e-discute-arte-popular-com-criancas/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/06/25/livro-infantil-apresenta-mazzaropi-e-discute-arte-popular-com-criancas/#respond Tue, 25 Jun 2019 12:56:23 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2019/06/abre-320x213.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2873 Era um acontecimento.

Os ônibus vinham lotados dos bairros mais distantes até o largo do Paissandu, no centro de São Paulo, onde os passageiros desciam e esperavam na calçada mesmo, em pé, em frente ao Cine Art Palácio. 

A maior parte deles nem conseguia ingressos para entrar naquele que era um dos principais cinemas de rua da época. Estamos entre os anos 1960 e 1970, quando o Cine Art Palácio costumava levar centenas de espectadores a um quadrilátero que estava longe de ser o espaço degradado que conhecemos hoje –ao contrário: a praça pulsava com produtoras e cinemas, caso do próprio Palácio e do Cine Ouro, que antes se chamava Bandeirantes. Ambos estão atualmente fechados, e o segundo deles chegou a se tornar um estacionamento.

Mas naquela época não era bem assim. E as pessoas atravessavam a capital para ver principalmente um nome: Mazzaropi, que arrastava multidões a cada lançamento de filme e tinha a sua produtora, a Pam-Filmes, no próprio largo.

Mazzaropi tornou popular a figura do caipira no cinema brasileiro, principalmente com o preguiçoso Jeca. Nos lançamentos de seus filmes, quem não conseguia bilhetes ficava na porta do cinema, esperando a chegada do artista. Sempre atento aos fãs, já era certo que, antes de o longa ser exibido, ele subiria a um pequeno palco, apresentaria o elenco do longa e daria um breve show, numa espécie de avô do stand-up, com velhas piadas e músicas antigas.

É essa figura e esse lado popular do cinema que o livro “Mazzaropi – Um Jeca Bem Brasileiro” apresenta para as crianças.

Escrito por Dílvia Ludvichak, com ilustrações de Luciano Tasso, o título faz quase uma escavação de um personagem cujos filmes são cada vez mais difíceis de serem vistos. Um diretor que, dos suas 34 produção, 26 foram feitas por ele mesmo, a partir da década de 1950 –sempre com relativo sucesso popular, alguns quebrando recordes de bilheteria (estima-se que 206 milhões de pessoas viram os seus filmes)

E, mesmo assim, ele quase sempre foi ignorado ou avacalhado pela crítica da época. “O zé povinho sabe bem o que quer, e o reflexo disso são os recordes de bilheteria de meus filmes, que são chamados de fitinhas e não vão a festivais”, costumava dizer Mazzaropi.

Em ordem cronológica, o livro conta em versos rimados a vida do cineasta. Mostra a mudança de seus pais para o interior, quando ele ainda era criança. Passa pela infância no mato, comparada à de Monteiro Lobato. Conta brevemente a criação do personagem Jeca Tatu e fala de uma certa valorização do jeito interiorano como seu projeto artístico –em certa medida, um contraponto à maneira como o Jeca é visto hoje: um personagem caricatural e preconceituoso com os moradores do interior.

No fim, há ainda um glossário com curiosidades e a filmografia de Mazzaropi, para quem quiser conhecer mais sobre o diretor.

Ilustração de ‘Mazzaropi – Um Jeca Bem Brasileiro’, feita por Luciano Tasso (Divulgação)

Mas mais do que a iluminação de uma figura que ainda hoje é controversa dentro do cinema brasileiro, o livro traz uma reflexão sutil, mas poderosa: como a crítica deve tratar a arte essencialmente popular?

No caso de Mazzaropi, a imprensa e o mercado simplesmente torciam o nariz ao analisar seus filmes, linguagem, montagem, estrutura. E eram incapazes de compreender o que levava milhares de pessoas ao largo do Paissandu, após horas de transporte público, só para chegar perto daquela figura.

“Falam mal de mim. Só quero ver quando eu morrer. Daí vão fazer festivais com os meus filmes, e tem gente que é capaz até de falar que fui um gênio. Quer saber? Deixa pra lá. Quando eu morrer, isso já não terá nenhuma importância”, disse certa vez o diretor.

Mazzaropi morreu em junho de 1981, há 38 anos, depois de ficar internado no hospital Albert Einstein, em São Paulo, para tratar um câncer de medula. Tinha 69 anos. De lá para cá, a pergunta sobre a maneira de encarar a arte mais popular ainda não foi respondida. Mas já há quem diga que ele foi um gênio.

 

“Mazzaropi – Um Jeca Bem Brasileiro”

Autora Dílvia Ludvichak

Ilustrador Luciano Tasso

Editora Paulus

Preço R$ 29 (2018, 32 págs.)

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Livro de Rita Lee sobre a ursa mais triste do mundo ganha capa https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/05/28/livro-de-rita-lee-sobre-a-ursa-mais-triste-do-mundo-ganha-capa/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/05/28/livro-de-rita-lee-sobre-a-ursa-mais-triste-do-mundo-ganha-capa/#respond Tue, 28 May 2019 18:19:52 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2019/05/abre-1-320x213.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2867 A ursa mais triste do mundo, que vai ter sua história contada por Rita Lee, acaba de ganhar as suas primeiras ilustrações.

Marsha, a ursa siberiana que vivia no quente e abafado zoológico de Teresina, vai ser personagem de um livro infantil escrito pela cantora, que publicou em suas redes sociais a capa do novo título.

“Amiga Ursa – Uma História Triste, mas com Final Feliz” tem previsão de lançamento para julho, pela Globinho. Na capa, a ursa e Rita Lee se abraçam, em ilustração de Guilherme Francini.

A Ilustrada contou a história de Marsha no mês passado (leia aqui).

Após passar pelo circo, a ursa vivia no zoológico do Piauí e enfrentava o calor de 40 graus da região. Estressada, cega e infeliz, ela costumava andar em círculos e chegou a perder  grandes áreas de sua pelagem. Seu peso normal de 200 quilos acabou reduzido pela metade.

O caso logo chamou a atenção de organizações de proteção aos animais. A atriz Alexia Dechamps encampou o projeto e Gloria Pires gravou vídeo pedindo aos políticos locais que liberassem Marsha. A apresentadora Luisa Mell se prontificou a construir um recinto com tanque e queda d’água para a ursa, com ajuda de seu instituto, a um custo de cerca de R$ 100 mil. O destino foi o Rancho dos Gnomos, em Joanópolis, no interior paulista.

Em sua nova casa, Marsha recebeu um novo nome: Rowena, que significa “recomeço”.

Foi quando Rita Lee conheceu a ursa e resolveu escrever sobre ela para crianças. Enquanto Rowena espera o lançamento de sua história, ela passa os dias comendo carne, ovos e mel, além de frutas (manga, mamão, melancia, laranja, goiaba, melão, banana, uva, carambola e abacaxi) e legumes (cenoura, tomate, batata doce, pepino, couve, brócolis e acelga).

 


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Aladim vivia na China e tinha dois gênios; conheça a história original https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/05/24/aladim-vivia-na-china-e-tinha-dois-genios-conheca-a-historia-original/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/05/24/aladim-vivia-na-china-e-tinha-dois-genios-conheca-a-historia-original/#respond Fri, 24 May 2019 18:59:55 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2019/05/aladimabre-320x213.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2858 A história ficou conhecida assim: Aladim é um rapaz pobre e órfão que vive na cidade árabe de Agrabah, onde rouba para sobreviver na companhia do macaco Abu. Puro de coração, ele se envolve em uma aventura na qual encontra uma lâmpada mágica e um Gênio piadista que lhe concede três desejos. Apaixonado pela princesa Jasmine, Aladim usa essa magia para se aproximar do palácio do sultão e conquistar a garota. Num desenrolar que envolve ainda um tapete mágico e um conselheiro maquiavélico que deseja a lâmpada mágica, ele percebe que não precisa fingir ser outra pessoa para ter o que deseja. Fim.

Assim está estruturado o desenho da Disney, lançado em 1992. Assim é também o novo filme do estúdio, “Aladdin”, que recria a aventura com atores de carne e osso. Para ler a crítica do novo filme que escrevi na Ilustrada, clique aqui.

Pois bem: a história não é bem assim em sua versão original. Aladim, na verdade, vivia no interior da China e não era órfão. Ele tinha dois gênios, um na lâmpada mágica e outro em um anel, e nenhum deles era espirituoso ou engraçado. A princesa também não se chamava Jasmine. E pode esquecer o tapete mágico, o macaco Abu e o tigre que morava no palácio.

Embalada pelo filme, a Zahar publicou recentemente um livrinho curto, feito para ser lido de uma vez só, com a história original de Aladim. Nela, temos contato com a versão do conto que faz parte de “As Mil e uma Noites” –a história é uma das que Sherazade narra ao sultão, a fim de não ser morta quando suas narrativas acabarem.

Na antiga versão, Aladim é um rapaz que não quer nada da vida. Filho de um tecelão, ele acaba matando (literalmente) o pai de desgosto porque só quer ficar na rua e nem pensa em aprender a profissão da família. Morando apenas com a mãe e vivendo completamente na flauta, ele um dia recebe a visita de um suposto tio.

O personagem, na verdade, é o mago Magreb, que recebe esse nome por ser dessa região ao norte da África. O livro não deixa muito claro por que, mas ele escolhe Aladim para uma missão: encontrar a lâmpada mágica que está naquele confim da China.

A cena é menos suntuosa do que no desenho –não há uma caverna com cara de felino, abrindo a boca para receber o “diamante bruto”. Na verdade, o mago faz um pirlimpimpim e a passagem secreta se abre debaixo de uma pedra. Cheia de tesouros, a cova esconde a lâmpada em sua última sala. Ao contrário da versão do Mickey, Aladim não encontra nenhum tapete mágico por ali.

Depois de um desentendimento, o personagem acaba ficando preso dentro da caverna, de onde só sai com a ajuda de um gênio. Mas não o da lâmpada: o do anel. Pois é, o personagem recebeu um anel do tal mago, no qual também vivia um desses seres mágicos, mas menos poderoso do que o gênio da lâmpada. Isso faz com que Aladim saia do soterramento com dois gênios e uma infinidade de pedidos –afinal, essa história de três pedidos é coisa da Disney; na história original, o menino não tinha limites de realizações.

Embora o céu fosse o limite, isso não quer dizer que ele tenha esbanjando. Para não dar bandeira para os vizinhos, Aladim opta por uma vida confortável com a mãe, mas não digna de ser um “parça” do Neymar. Pelo menos até ele ver a princesa, filha do sultão.

A Disney resolveu mudar o nome da garota para Jasmine, porque o original é realmente complicado: ela se chama Badr al-Budur. Completamente apaixonado, Aladim move mundos e fundos (e dois gênios) para conquistá-la. Para isso, precisa acabar com a vontade do vizir, conselheiro do sultão, que deseja casar a princesa com um de seus filhos.

Ou seja: Jafar e seu papagaio, cativantes vilões do desenho animado, também não existem no conto de Sherazade. Ele é, na verdade, uma união de dois personagens, o mago Magreb e o conselheiro do sultão.

‘Aladdin’, desenho animado da Disney de 1992 (Divulgação)

Quando Aladim finalmente se casa com Budur, o mago fica sabendo e retorna à China para recuperar a lâmpada. E aqui vão alguns spoilers em relação ao final.

Enquanto, na versão da Disney, Jafar entra em uma escalada de ganância que só termina quando ele mesmo se torna um gênio e fica aprisionado em uma lâmpada, Magreb tem um final menos carnavalesco. Em posse do objeto mágico, o mago rapta a princesa e força a jovem a casar-se com ele. Mas, no fim, é envenenado por ela e acaba morrendo.

Depois disso, um irmão de Magreb também surge na história para vingar a morte do personagem, mas é assassinado por Aladim com uma facada no coração, pondo um fim à aventura.

Pois é: nada de Gênio livre curtindo a vida adoidado ao redor do mundo nem de lágrimas com a cena que mostra o caráter do herói.

Por fim, a última reviravolta. Embora a história de Aladim conste como pertencente a “As Mil e uma Noites”, isso não é bem assim também. Como mostra Paulo Lemos Horta nos prefácios da edição, a narrativa foi incluída entre as narrativas de Sherazade muito depois, já no século 18, em edições francesas.

O conto não está presente em nenhum manuscrito árabe antigo encontrado e aparece pela primeira vez em uma coletânea parisiense feita por Antoine Galland –além de “Aladim”, foi acrescentado também outro clássico: “Ali Babá e os Quarenta Ladrões”.

Em seu diário, Galland conta que ouviu as histórias de um viajante de Alepo, na Síria, chamado Hanna Diyab. O que deixa um certo mistério no ar, já que ninguém sabe quem é o verdadeiro autor de “Aladim”, já que Diyab afirmava que ouvira a história de Aladim nos cafés de seu país.

O fato é que “Aladim” se consolidou como uma das principais narrativas de “As Mil e uma Noites” a partir de então. E foi recheada de fofura e bom-mocismo muito depois, principalmente com a animação da Disney, já nos anos 1990.

 

“Aladim”

Tradução do original Yasmine Seale

Tradução  para o português José Roberto O’Shea

Editora Zahar

Preço R$ 39,90 (2019, 144 págs.)

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Como falar de preconceito e relações raciais com crianças? https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/05/14/como-falar-de-preconceito-e-relacoes-raciais-com-criancas/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/05/14/como-falar-de-preconceito-e-relacoes-raciais-com-criancas/#respond Tue, 14 May 2019 14:33:33 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2019/05/f1ac9471769015.5bd084d10ea79-1-320x213.png https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2844 “Papai, que bom, porque eu sou pretinha também!”

A frase que fecha “Amoras”, livro infantil do músico Emicida, não serve de conclusão apenas para a sua história –mas também para uma série de títulos para crianças que vêm ganhando destaque ao abordar temas como racismo, relações raciais e aceitação.

Cada um traz uma estratégia e uma narrativa diferentes. Mas concordam em abordar a questão a partir da literatura, muitas vezes sem um tom professoral e didático e sem respostas fáceis. É o caso de “Amoras”.

Em sua primeira obra infantil, Emicida parte da fruta do título e de um narrador que conta para sua filha que as amoras mais pretinhas são as mais doces, as melhores que existem.

A partir daí, ele mistura figuras como Muhammed Ali, Martin Luther King e Zumbi para expandir o livro para fora do pomar e chegar à frase que abre este texto –tudo com delicadeza e um deslocamento de significados que fazem brotar nas entrelinhas uma mensagem de aceitação e, para usar uma palavra da moda, de empoderamento.

O recém-lançado “Chapeuzinho e o Leão Faminto” consegue os mesmos resultados, mas de maneira ainda mais sutil e com um diferencial que faz o livro esbarrar na genialidade: o texto não traz nenhuma palavra relacionada a cor de pele, tipo de cabelo ou qualquer outra característica física.

A narrativa é uma adaptação do conto clássico original, mas com algumas diferenças. A motivação do passeio da protagonista é levar remédios para a tia doente. No caminho, ela passa por girafas, macacos, gazelas e suricatos. Mesmo o vilão não é o lobo –quem está faminto para devorar a menina é um leão de barriga vazia.

São os elementos visuais escolhidos pelo autor e ilustrador, Alex T. Smith, que logo fazem com que o leitor situe a história na África e na savana. No lugar da menina branca, há uma protagonista negra, de cabelos crespos, cercada por uma estética e uma paleta de cores tipicamente africanas.

Como nos bons livros ilustrados, texto e imagens trazem informações próprias que, quando conectadas, transmitem uma mensagem poderosa e não subestimam a inteligência das crianças.

Cada qual a sua maneira, as duas narrativas põem meninos e adultos na roda não apenas para pensar sobre preconceitos, mas deixam diversas pontas prontas para serem puxadas e servirem de temas para debates. Na sociedade brasileira, as “pretinhas” são mesmo vistas como as melhores? Quem disse que a Chapeuzinho não pode ser negra?

Ilustração de “Nós de Axé”, da editora Aletria (Divulgação)

Outro livro que deixa pontas para conversas é “Nós de Axé”, da escritora Janaína de Figueiredo –ou melhor: são fitas que estimulam o bate-papo.

O livro parte de uma história sobre as fitinhas coloridas do Senhor do Bonfim para dar um banho de cheiro e de cultura popular da Bahia. Lá estão as mandingas, os orixás, a escadaria do Senhor do Bonfim, a cocada da avó, a capoeira e outros elementos inseridos de forma homeopática que despertam a curiosidade para um pedaço do Brasil que ainda não é visto na maior parte das escolas.

A partir daí, deixa a pergunta: por que muita gente não conhece bem a cultura que transborda das páginas? Será que existe hierarquia entre as culturas ditas erudita e popular? As perguntas vão se desamarrando como os nós das fitinhas, cada um contendo um desejo ou pedido secreto.

Mas nem todos os livros optam pela sutileza, é claro. “Meu Crespo É de Rainha”, da escritora americana Bell Hooks, por exemplo, manda as entrelinhas às favas e escancara o tema como um grito.

“Feliz com meu cabelo firme e forte,/ com cachos que giram/ e o fio feito mola se enrola,/ vira cambalhota!”, escreve a autora, em seu hino de aceitação e protagonismo condensado em 32 páginas densamente ilustradas.

É o caso também de “Que Cabelo É Esse, Bela?”, que conta a história de uma menina que adorava sair na chuva –mas tudo muda quando crianças da escola começam a falar que seu cabelo fica feio quando isso acontece. “O que é isso na sua cabeça?”, “Que cabelo é esse?”, perguntam os outros garotos para uma personagem cada vez mais amuada e reclusa.

O livro até tenta metaforizar o assunto, com uma história de que, quando os fios de Bela são molhados pelos pingos das nuvens, logo surgem cores vibrantes em suas madeixas. Mas é só um artifício para a mensagem de força e aceitação que permeia toda a narrativa, sem disfarces ou chances de o leitor interpretar outras coisas.

As duas obras preferem ir ao cerne da questão, sem papas na língua, para no fim concluírem: “Feliz com o meu crespo!” ou “Que cabelo lindo é esse, Bela?”.

Ou poderia ser ainda: “Papai, que bom, porque eu sou pretinha também!”

 

LIVROS CITADOS NESTE TEXTO

 

 

“Amoras”

Autor Emicida

Ilustrador Aldo Fabrini

Editora Companhia das Letrinhas

Preço R$ 29,90 (2018, 44 págs.)

Leitor iniciante + leitura compartilhada

 

*

 

“Chapeuzinho e o Leão Faminto”

Autor e ilustrador Alex T. Smith

Tradutora Gilda de Aquino

Editora Brinque-Book

Preço R$ 41,30 (2019, 32 págs.)

Leitor iniciante + leitura compartilhada

 

*

 

“Nós de Axé”

Autora Janaína de Figueiredo

Ilustradora Paulica Santos

Editora Aletria

Preço R$ 35 (2018, 40 págs.)

Leitor iniciante + leitura compartilhada

 

*

 

“Meu Crespo É de Rainha”

Autora Bell Hooks

Ilustradora Chris Raschka

Tradutora Nina Rizzi

Editora Boitatá

Preço R$ 35 (2018, 32 págs.)

Leitor iniciante + leitura compartilhada

 

*

 

“Que Cabelo É Esse, Bela?”

Autora Simone Mota

Ilustradora Roberta Nunes

Editora Editora do Brasil

Preço R$ 43,10 (2018, 32 págs.)

Leitor intermediário + leitura compartilhada

 


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Hilda Hilst não entendia as ‘crionças’ e ganha único livro infantil https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/03/22/hilda-hilst-nao-entendia-as-crioncas-e-escreveu-unico-poema-infantil/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/03/22/hilda-hilst-nao-entendia-as-crioncas-e-escreveu-unico-poema-infantil/#respond Fri, 22 Mar 2019 22:18:07 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2019/03/abre-320x213.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2814 Quando a Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, confirmou que a autora homenageada na edição do ano passado seria Hilda Hilst, os organizadores do evento apresentaram a sua literatura como uma produção que gira em torno do amor, da morte, do misticismo e da transcendência.

Um resumo, é claro. Mas um cartão de visitas que pode ajudar a abrir as portas do universo da escritora para um público mais amplo.

É mais ou menos isso o que faz também “Eu Sou a Monstra”. O poema infantil de Hilst (leia a íntegra aqui), publicado agora na forma de um livreto, com costura externa e pinta de artesanal, ultrapassa a simples diversão entre pais e filhos ou a história para ser lida antes de dormir.

Os versos funcionam como introdução à obra da autora –com um ingrediente raro: eles são capazes de seduzir tanto crianças quanto adultos.

Talvez porque Hilst não fosse tão fã assim dos pequenos. “Eu não entendo as ‘crionças’. Elas não me entendem. Ficam olhando para mim, esquisitíssimas”, disse certa vez. “Crionças” é como ela se referia a essa faixa etária, em uma mistura de criança com onça.

A falta de idealização da infância fazia Hilst tratar meninos e meninas em pé de igualdade. Sobretudo um: Daniel, filho do espanhol Mora Fuentes, amigo da autora que visitava sua Casa do Sol, sítio em Campinas, no interior paulista, que servia de retiro artístico.

Daniel, que hoje é presidente do Instituto Hilda Hilst, era chamado por ela de “meu amigo Daniel” –e essa é a dedicatória de “Eu Sou a Monstra”, que foi escrito para o garoto e, até onde se sabe, é a única produção infantil de Hilst.

“Eu sou a Monstra./ Procuro o Daniel / Para desenhar comigo/ A Monstra no papel”, começa o texto, que é intercalado por desenhos feitos à mão pela escritora –mas que poderiam muito bem ter saído do caderno de uma criança.

O visual despretensioso e a linguagem direta repleta de quebras de expectativas ajudam a prender a atenção do leitor que ainda está aprendendo a ler. “Eu sou assim?/ A bruxa do mato/ Montada num cavaco?/ (atenção: é cavaco e não cavalo)”, escreve.

Mas aproxima também o adulto que busca um flanco de entrada na produção de Hilst. De certa forma, “Eu Sou a Monstra” pode ser o primeiro degrau que leva a “Da Poesia”, livro publicado pela Companhia das Letras que reúne a produção poética da autora.

Com uma vantagem. Em vida, Hilst lançou grande parte de seus livros de forma artesanal, alguns dos quais pelas mãos do editor Massao Ohno. A edição de “Eu Sou a Monstra” é uma reverência a isso, após a descoberta de sua literatura pelo mercado editorial.

 

Eu Sou a Monstra – Hilda Hilst para Crionças

Autora e ilustradora Hilda Hilst

Editora Quelônio

Preço R$ 60 (2018, 54 págs.)

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No centenário de Tatiana Belinky, lembre a autora em 5 livros https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/03/19/no-centenario-de-tatiana-belinky-lembre-a-autora-em-5-livros/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/03/19/no-centenario-de-tatiana-belinky-lembre-a-autora-em-5-livros/#respond Tue, 19 Mar 2019 13:20:07 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2019/03/afa322fdeeee72d7e7fa9411f4d35d04c015bc8f9117625e348d03d16e0f3185_5adf058be425f-1-320x213.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2807 O aniversário mesmo foi nesta segunda (18). A escritora Tatiana Belinky nasceu em 18 de março de 1919, na russa e gelada São Petersburgo, e provavelmente estaria comemorando seus cem anos com uma bela festa em sua casa, no Pacaembu, em São Paulo, sempre aberta para as crianças.

Mas o blog não conseguiu celebrar o centenário de uma das mais importantes escritoras da literatura brasileira porque o mundo dos livros infantojuvenis foi atropelado por uma notícia triste: João Carlos Marinho, autor do clássico “O Gênio do Crime”, morreu aos 83 anos na noite de domingo (17).

Ficou então para hoje a celebração de Belinky, que se mudou com a família para o Brasil quando ela tinha dez anos. Por aqui, publicou mais de 200 títulos, conheceu Monteiro Lobato, adaptou a obra da turma do Sítio do Picapau Amarelo para a televisão e fez parte da Academia Paulista de Letras.

Morreu em 2013, aos 94 anos. Mas seus livros continuam mais do que vivos.

Conheça cinco deles abaixo.

 

 

O GRANDE RABANETE

Inspirado nas histórias que Belinky ouvia do pai, é um desses contos acumulativos com coisas que vão se somando. No caso, um rabanete está tão preso ao chão que ninguém consegue tirá-lo da horta. Até que chega a vez do ratinho.

Editora Moderna

Preço R$ 48 (48 págs.)

 

LIMERIQUES DO BÍPEDE APAIXONADO

A escritora costumava dizer que o livro era um de seus favoritos. Limerique é um tipo de poema rimado e feito com cinco versos, forma que Belinky usou e abusou em sua obra. No título, os poemas contam a história de uma menina que só gosta de bichos e de um menino que é apaixonado pela garota. As ilustrações são de Andrés Sandoval.

Editora 34

Preço R$ 36 (36 págs.)

 

DEZ SACIZINHOS

Também composto por versos engraçadinhos, narra a morte de dez sacis: por vários motivos, como comida estragada, jejum por muitas horas, quebra de regras etc. Nessa brincadeira matemática, em que os seres do folclore são subtraídos, a autora mostra que números e versos nasceram um para o outro.

Editora Paulinas

Preço R$ 33 (16 págs.)

 

UM CALDEIRÃO DE POEMAS

Aqui os versos falam sobre os mais variados temas, sejam eles tristes ou felizes. Mas com uma particularidade: os 62 textos são traduzidos ou adaptados por Belinky, de autores como Lewis Carroll, Brecht e Goethe. As ilustrações são feitas por 25 artistas.

Editora Companhias das Letrinhas

Preço R$ 42,90 (80 págs.)

 

TRANSPLANTE DE MENINA

O livro é uma ótima oportunidade para quem deseja conhecer a vida da escritora. Nele, Tatiana Belinky narra suas memórias, da infância na Rússia e na Letônia até a vinda ao Brasil. Entre lembranças e brincadeiras, mostra como se tornou uma brasileira.

Editora Moderna

Preço R$ 48 (160 págs.)

 

 


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Antonio Prata lança livro infantil ao mesmo tempo surreal e pé no chão https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/02/22/antonio-prata-lanca-livro-infantil-ao-mesmo-tempo-surreal-e-pe-no-chao/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/02/22/antonio-prata-lanca-livro-infantil-ao-mesmo-tempo-surreal-e-pe-no-chao/#respond Fri, 22 Feb 2019 14:33:34 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2019/02/va2-320x213.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2789 Antonio Prata tinha acabado de terminar a primeira versão de “A Menina que Morava no Chuveiro”, o seu novo livro para crianças, quando sentou com seus filhos para contar a história em primeira mão. Os olhos de Olivia, 5, e Daniel, 4, ficaram arregalados.

“Até poderia ser de admiração, mas foi reprovação mesmo. Eles ficaram angustiados”, relembra o escritor e colunista da Folha.

No livro, a menina do título adora uma boa ducha, a água escorrendo do cocuruto ao dedão do pé, aquele reino de espuma que se forma dentro do boxe, o vapor que faz todo mundo pedir para ficar um tiquinho, um tiquinhozinho, um tiquinhozinhozico mais longe da toalha.

É como se ela fosse o rato da música do “Castelo Rá-Tim-Bum”, cantando sempre que banho é bom, banho é bom, mas nunca chegando ao “agora acabou”. Pois então: na primeira versão escrita por Prata, a menina morava mesmo para sempre no chuveiro.

“Eles odiaram. A Olivia perguntou se ela nunca mais ia ver a avó. Acho que a infância já tem um pouco de surrealismo, o que faz com que a criança queira andar em direção à razão. A ideia de ficar eternamente embaixo d’água gerou uma angústia”, diz.

Não vou contar o novo final, é claro, mas a personagem acaba desenrugando os dedos no livro, o terceiro do autor para o público infantojuvenil —e esperança de repetição do sucesso que foi o anterior, ”Jacaré, Não!”, lançado em 2016 também pela editora Ubu, a mesma de “A Menina que Morava no Chuveiro”.

O livro do Jacaré, inspirado em uma brincadeira que Prata fazia com a filha, vendeu cerca de 7.500 exemplares e foi aprovado em edital de compras do governo, que encomendou outros 45 mil livros.

Ilustração de Talita Hoffmann para ‘A Menina que Morava no Chuveiro’

“De repente, eu virei um escritor infantil. Recebia diariamente vídeos de pessoas lendo o livro para os filhos”, conta. Para ele, o segredo foi ter baseado a história em um jogo que fazia com Olivia quando ela era menor. “Foi testado pedagogicamente antes.”

De certa forma, o novo livro também, já que a história brotou de conversas com os filhos. “Falo que os dois inspiraram para não dar briga em casa depois”, brinca. Isso explica o certo envelhecimento do público que deve ler.

A aventura do Jacaré é indicada para leitores menores, quase bebês como a Olivia da época. Tanto que, no início da narrativa, há uma recomendação para que o narrador adapte o nome da personagem para o da garota ou do garoto que estiver ouvindo. A mediação é parte integrante.

Já a nova menina do banho protagoniza um conto para leitores mais velhos, em uma faixa etária que está beirando a alfabetização. A história tem todo o jeito de primeiro livro de uma criança que acaba de dominar a junção das sílabas.

E essa série deve continuar. As conversas e o dia a dia com os filhos já geraram ideias para mais três obras —nenhuma ainda com previsão de lançamento.

“As colunas da Folha e a segunda temporada da série minam meu tempo”. Prata se refere à continuação de “Pais de Primeira”, exibida pela Globo, também sobre o tema que mais vem aparecendo em sua obra: a paternidade.

 

“A Menina que Morava no Chuveiro”

Autor Antonio Prata

Ilustradora Talita Hoffmann

Editora Ubu

Preço R$ 44 (2019, 48 págs.)

Leitor iniciante + leitura compartilhada

Lançamento Com presença do autor, neste sábado (23), às 11h, na biblioteca Monteiro Lobato (r. General Jardim, 485, São Paulo)

 


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Dinos brasileiros, lobisomem no dentista: 10 criaturas para conhecer nos livros https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/02/16/dinos-brasileiros-lobisomem-no-dentista-10-criaturas-para-conhecer-nos-livros/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/02/16/dinos-brasileiros-lobisomem-no-dentista-10-criaturas-para-conhecer-nos-livros/#respond Sat, 16 Feb 2019 13:11:00 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2019/02/miolo_dino08julho-6-320x213.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2783 Monstros gigantes, criaturas minúsculas, dinossauros tupiniquins, números que ganham vida. A literatura infantojuvenil é um prato cheio para criaturas fantásticas.

É grande a lista de seres que se tornaram clássicos e se incorporaram à vida de crianças do mundo todo. Grúfalos, monstros de Sendak, a Emília do Sítio do Picapau Amarelo, os lobos dos contos de fadas, o Gigante de Dahl

Mas há outras tantas criaturas desconhecidas que valem ser conhecidas. Confira abaixo uma seleção de dez delas.

 

*

 

CLÁSSICO DOS QUADRINHOS

Sucesso e premiada nos Estados Unidos, mas ainda pouco conhecida no Brasil, a série de quadrinhos “Bone” ganhou uma edição caprichada em português, colorida e com quase 450 páginas –a primeira de uma trilogia que deve estar completa até o fim do ano. Na história, três personagens que lembram fisicamente o Gasparzinho são expulsos de sua terra e acabam em um paraíso, onde atiçam forças malígnas. Fora do país, a HQ é cultuada tanto por crianças quanto por adultos e rendeu ao autor, Jeff Smith, dez prêmios Eisner e 11 Harvey.

 

“Bone: O Vale ou Equinócio Vernal”

Autor e ilustrador Jeff Smith

Tradutor Érico Assis

Editora Todavia

Preço R$ 79,90 (2018, 448 págs.)

Leitor avançado

 

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PRIMO DO DRÁCULA

O criador do vampiro mais famoso de todos os tempos deu vida também a uma criatura encantadora: o número sete. O numeral, que ganhou diferentes significados ao longo dos tempos e foi cantado por Raul Seixas em “Os Números” (Sete dias da semana, sete notas musicais/ Sete cores do arco-íris nas regiões divinais) literalmente pinta o sete no livro “Quando o 7 Ficou Louco”. Nele, o menino Garotito e o corvo Sr. Gralha ouvem uma história maluca na escola e acabam mergulhando em uma aventura feita para ser lida mais do que sete vezes. Aliás… Adivinha quantas vezes o número aparece neste texto?

 

“Quando o 7 Ficou Louco”

Autor Bram Stoker

Ilustrador Mário Alencar

Tradutores Eduardo Bueno e Paula Taitelbaum

Editora Piu

Preço R$ 39 (2018, 48 págs.)

Leitor intermediário + leitura compartilhada

 

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CATÁLOGO DE EMOÇÕES

Quantos sentimentos cabem em você? No monstro do livro, alegria, tristeza, raiva, medo e calma. O que importa não é a quantidade, mas o que ele aprende a fazer com essas emoções. Quando está se sentindo estranho, meio bagunçado, o monstro coloca cada uma em um pote diferente. E, assim, aprende a lidar com elas. “O Monstro das Cores” não é um livro de destaque do ponto de vista literário, pois a autora parece primeiro escolher a mensagem que quer transmitir para depois escrever a história –o que faz com que a narrativa fique fechada, restrita, longe da boa literatura. Mas é um bom pontapé para um início de educação sentimental.

 

“O Monstro das Cores”

Autora e ilustradora Ana Llenas

Tradutora Rosana de Mont’Alverne

Editora Aletria

Preço R$ 42 (2018, 48 págs.)

Leitor iniciante + leitura compartilhada

 

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PSIU!

Nada de falar, nenhuma palavra, nenhuminha. A não ser que acerte o enigma, que não é o da esfinge, mas o do vilão Silêncio: qual é a maior palavra do mundo? No livro de Elifas Andreato, ilustrado por Fê (que assina os desenhos do José Simão aqui na Folha), o Silêncio sequestra a Curiosidade. A divertida fábula é mais do que um jogo com o alfabeto –ela investiga o próprio surgimento da cultura e das sociedades. Publicado agora em livro, o projeto já tinha inspirado em 2017 o álbum “Sem Você Não A”, de Tom Zé. Por isso, o título traz, incorporadas à história, as letras das músicas. Um convite para ler a obra e escutar o disco ao mesmo tempo.

 

“A Maior Palavra do Mundo”

Autor Elifas Andreato

Ilustrador

Editora Palavras

Preço R$ 46 (2018, 56 págs.)

Leitor iniciante + leitura compartilhada

 

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VERSÃO BRASILEIRA
Fernando Vilela, autor de livros como “Lampião e Lancelote”, faz uma mistura do Brasil com a Inglaterra e a Dinamarca em “Dino e Saura”. O título explora a pré-história do nosso país em uma aventura que pega uma pitada de “O Patinho Feio” com um pouquinho de “Romeu e Julieta”. No livro, Dino nasce em uma família de dinossauros que não é a sua. Cansado de ser diferente, resolve sair por aí na companhia de Saura, até que encontra criaturas mais parecidas consigo. O problema é que os novos parentes não gostam nada de sua amiga, o que faz a briga ficar mais feia do que a shakesperiana entre Capuletos e Montecchios. Além das ilustrações imperdíveis de Vilela, o livro encanta porque todas as espécies que aparecem são de bichos que realmente viveram no Brasil em um passado distante.

 

“Dino e Saura”

Autor e ilustrador Fernando Vilela

Editora Brinque-Book

Preço R$ 41,30 (2017, 36 págs.)

Leitor iniciante + leitura compartilhada

 

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LISTA DE ARREPIAR

O que mais deixa você com medo? Em “Coisas Arrepiantes”, Ilan Brenman faz uma lista daquelas –e, de quebra, apresenta uma série de criaturas escabrosas que só poderiam ter saído da imaginação. Um ogro no elevador, um lobisomem no dentista, uma múmia vendedora, uma geleca carnívora presa na coleira. Com quase nada de texto e ilustrações amalucadas de Guilherme Karsten, o livro é indicado para crianças pequenas, em início de alfabetização. Até porque, mais do que assustar, essas coisas arrepiantes garantem boas risadas.

 

“Coisas Arrepiantes”

Autor Ilan Brenman

Ilustrador Guilherme Karsten

Editora Harper Collins

Preço R$ 39,90 (2018, 32 págs.)

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O QUE VOCÊ FARIA?

Quando vê um caminho de formigas, o garoto do livro logo percebe que é um gigante para aquele animais. Mas… e se ele realmente fosse uma criatura colossal? Esse é o ponto de partida do livro escrito e ilustrado pelo espanhol Guridi, que, com cores e formas delicadas, mostra um gigante trocando as nuvens de lugar, regendo uma orquestra de pássaros, contando histórias para a Lua e ajudando os barcos perdidos no mar. Mas o menino percebe que ser uma pessoa muito maior que as outras nem sempre é uma boa ideia.

 

“Se Eu Fosse um Grande Gigante”

Autor e ilustrador Guridi

Tradutora Márcia Leite

Editora Pulo do Gato

Preço R$ 45,90 (2018, 32 págs.)

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SACI FEMINISTA

Esqueça Bela Adormecida, Branca de Neve ou Rapunzel. Na origem, bem lá atrás mesmo, todas esses contos clássicos tinham Sacisas como protagonistas –isso mesmo, Sacis fêmeas. A partir desse mote, José Roberto Torero adapta contos clássicos à luz das lendas brasileiras e de um certo progressismo dos costumes em tempos de #MeToo e primavera feminista. Com isso, a Sacisa Adormecida, quietinha em sua árvore, nega acompanhar o rapaz que a desperta. A Pererenzel, ilustrada com longos dreads, não quer nem saber de jogar suas madeixas para homem nenhum. Já a Sacinderela se apaixona pelo fazendeiro rico, mas nada de morar na Casa Grande –é ele quem se muda para a floresta.

 

“Contos de Sacisas”

Autor José Roberto Torero

Ilustradora Psonha

Editora Companhia das Letrinhas

Preço R$ 44,90 (2018, 48 págs.)

Leitor intermediário + leitura compartilhada

 

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INVENTÁRIO ANIMAL

Escrito pelo músico e escritor Arthur Nestrovski, o livro fez a cabeça de crianças há 15 anos e ganhou o prêmio Jabuti em 2003 –na época, publicado pela extinta Cosac Naify. O título ganha agora uma nova edição pela Companhia das Letrinhas, e um novo público pode conhecer essa coleção de criaturas. Algumas existem mesmo (a baleia, a traça, a saúva), enquanto outras fazem parte de um universo fantástico. São essas as mais inusitadas. A lista passa pelo abominável homem das neves, a cobra que come o próprio rabo e o unicórnio, por exemplo –todos ilustrados por Maria Eugênia.

 

“Bichos que Existem e Bichos que Não Existem”

Autor Arthur Nestrovski

Ilustradora Maria Eugênia

Editora Companhia das Letrinhas

Preço R$ 39,90 (2018, 56 págs.)

Leitor iniciante + leitura compartilhada

 

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ALFABETO PRÉ-HISTÓRICO

A de amor; B de bola; C de cachorro. Nada disso. A de Arqueoptérix; B de Bonitassaura; C de Criolofossauro. Em “ABCDinos”, cada letra do alfabeto é ilustrada por um animal pré-histórico diferente. Primeiro, eles ganham um textinho poético, que brinca com o nome do bicho. Mas, em seguida, vêm as informações científicas a respeito dele. Em tempo: o Arqueoptérix é a mais antiga ave conhecida; o Bonitassaura recebe esse nome porque teve se esqueleto encontrado na pedreira La Bonita, na Argentina; e o Criolofossauro foi assim batizado porque teve seus fósseis encontrados congelados –seu nome quer dizer “lagarto coroa do gelo”.

 

“ABCDinos”

Autores Celina Bodenmüller e Luiz E. Anelli

Ilustradora Graziella Mattar

Editora Peirópolis

Preço R$ 38 (2015, 68 págs.)

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Puritanos querem transformar crianças em Rapunzel, diz Pedro Bandeira https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/02/02/puritanos-querem-transformar-criancas-em-rapunzel-diz-pedro-bandeira/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/02/02/puritanos-querem-transformar-criancas-em-rapunzel-diz-pedro-bandeira/#respond Sat, 02 Feb 2019 14:09:49 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2019/02/1de86866f-320x213.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2765 Pedro Bandeira veste uma camisa cor-de-rosa quando abre a porta de seu flat, na região dos Jardins, em São Paulo. “Se aquela ministra Damares me visse agora, ia falar que isso é salmão. Porque sou menino e, segundo ela, não posso usar rosa”, brinca.

Autor de livros para crianças e pré-adolescentes desde os anos 1980, entre eles sucessos como “A Droga da Obediência” e “A Marca de uma Lágrima”, Bandeira conta que passou o último mês acompanhando de perto o governo de Jair Bolsonaro.

E a avaliação de quem vendeu mais de 25 milhões de exemplares para esse público é que a infância está sendo usada como escudo para uma série de medidas conservadoras, encaradas por ele como retrocessos em sua maioria.

O principal deles, na opinião do escritor, é a aversão de ministros e do próprio presidente ao ensino de educação sexual nas escolas e a abordagem do tema em livros.

“Há uma diferença entre preservar a inocência e manter a ignorância. Impedir isso significa comprometer o combate às doenças sexualmente transmissíveis e a prevenção da gravidez juvenil”, afirma.

Para ele, não foi aprendida uma lição antiga, presente em um dos contos de fadas mais famosos dos irmãos Grimm.

“Pais mais puritanos, e agora o governo, querem transformar os filhos na Rapunzel e prendê-los em uma torre, sem perceber que isso prejudica as crianças”, diz. “Eles podem não saber, mas, nas versões mais antigas, a Rapunzel fica grávida do príncipe enquanto está presa.”

Aos 76 anos, Bandeira cresceu na casa da avó católica em Santos, no litoral paulista. Fã de gibis e dos livros de Alexandre Dumas e Hans Christian Andersen, ele logo se envolveu com a cena teatral e se tornou amigo de outro santista reconhecido nos palcos —Plínio Marcos, que o incentivou a se mudar para São Paulo.

“Eu vivi esse Brasil casto, fechado, atrasado, que está ensaiando retornar. E percebi que a maluquice mora nas pessoas. Elas não querem ensinar certos assuntos nas escolas porque acham tudo imundo. Mas os puritanos é que têm a mente suja, a imundice está na cabeça deles.”

Em São Paulo, Pedro Bandeira deixou o teatro (“porque precisava jantar, né”) e passou a trabalhar na imprensa durante o regime militar. Escreveu para a revista Opinião, para o Última Hora e passou boa parte da carreira na editora Abril, ocupando o cargo de redator de publicações como Claudia e Quatro Rodas.

“A censura era cruel, quase sádica”, lembra. Ele usa como exemplo a vez em que tentou registrar o lançamento de “Histórias das Quebradas do Mundaréu”, de 1973, livro de contos de seu amigo Plínio Marcos. “O texto voltou [do censor] com todos os verbos cortados com lápis vermelho. Eu podia publicar, mas sem os verbos. Percebe a crueldade?”

No sofá de sua sala, o criador da turma dos Karas cruza os braços, mexe no bigode, à medida que vai traçando pontes entre passado e presente. “Acho que esse governo não vai ter tanto poder quanto gostaria. Como você vai censurar a internet? Impedir livros sem que os professores reclamem? O país vai tropeçar, mas não vai cair.”

E antes que alguém o chame de esquerdista, Bandeira passa a descrever os governos do PT como o de um “sindicalista que quebrou a Petrobras” e o de “uma senhora que, quando era jovem, queria instaurar no Brasil outro tipo de ditadura”, reflexos de “um oportunismo civil extremamente corrupto” que vem do fim da ditadura aos dias de hoje.

“O que nenhum governo fez foi olhar para as crianças. E perceber que nossa educação é uma vergonha, que ficamos sempre nas últimas posições nos testes internacionais.”

Foi em 1983 que ele passou a olhar mais para as crianças e deixou o jornalismo para se dedicar aos livros infantis —“A Droga da Obediência” é de 1984, “A Marca de uma Lágrima” e “O Fantástico Mistério de Feiurinha”, de 1986.

“Hoje esses livros vendem mais do que quando foram lançados. Posso dizer que vivo de direitos autorais no Brasil.”

Mas como consegue, se diz que a educação no país é tão ruim? “Porque puxo o saco dos meus leitores e dos professores. E não de ministros que que fiscalizam se estou usando rosa ou azul.”

Foto: Karime Xavier/Folhapress

 


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