Era Outra Vez https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br Literatura infantojuvenil e outras histórias Wed, 28 Aug 2019 18:58:05 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Não se assuste se crianças traficarem ‘Chapeuzinho Vermelho’ no recreio https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/04/23/nao-se-assuste-se-criancas-traficarem-chapeuzinho-vermelho-no-recreio/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2019/04/23/nao-se-assuste-se-criancas-traficarem-chapeuzinho-vermelho-no-recreio/#respond Tue, 23 Apr 2019 19:35:42 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2019/04/ilustração-do-livro-Uma-Chapeuzinho-Vermelho-da-autora-e-ilustradora-Marjolaine-Leray.-1-320x213.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2827 O lobo de olhos grandes e boca maior ainda não vai mais comer a Chapeuzinho –pelo menos se depender de uma escola de Barcelona.

A imprensa espanhola repercutiu na última semana o caso do colégio Tàber, vinculado à prefeitura da cidade, que decidiu retirar de sua biblioteca 200 livros destinados a alunos de até seis anos. A justificativa é que foram considerados “tóxicos” por reproduzirem padrões sexistas.

Entre os títulos, que correspondem a 30% do acervo, estão contos clássicos como “Chapeuzinho Vermelho” e “A Bela Adormecida”. O critério é simples: se as histórias trazem apenas garotos em papéis valentes ou somente meninas com a carapuça da fragilidade, as narrativas não devem chegar aos alunos e merecem ficar na escuridão.

“A sociedade está mudando e está mais sensível a questões de gênero, mas isso não vem se refletindo nas histórias”, disse Anna Tutzó ao jornal espanhol El País. Ela foi uma das mães participantes da comissão que revisou o acervo da escola e retirou as obras de circulação.

Mais do que uma discussão pontual sobre livros e conteúdos de alguns contos de fadas, a decisão do colégio espanhol deixa duas lições maiores.

A primeira é que a sanha censória não distingue esquerda e direita. Muito se fala sobre governos mais próximos à direita que desejam proibir livros, sobretudo aqueles infantis que esbarram em temas ligados a igualdade de gênero, homossexualidade, transexualidade e educação sexual.

“Um pai não quer chegar em casa e ver o filho brincando com boneca por influência da escola”, declarou no ano passado o ainda candidato Jair Bolsonaro no Jornal Nacional. Na ocasião, ele se referia ao livro “Aparelho Sexual e Cia.”, sobre educação sexual para pré-adolescentes, publicado no Brasil pela editora Seguinte.

Ora, se parece pouco defensável retirar das escolas uma obra infantil que tenha personagem homossexual, também deveria parecer pouco defensável proibir “Chapeuzinho Vermelho” porque só as figuras masculinas (o lobo e o lenhador, no caso) detêm o monopólio da violência. Se soa mirabolante acreditar que uma criança possa se tornar transexual por ler um livro, também deveria soar mirabolante acreditar que uma leitora de “A Bela Adormecida” está fadada se tornar indefesa até a chegada de um príncipe salvador por causa do conto de fadas.

No fundo, a matéria-prima é a mesma: uma vontade incontrolável de decidir o que os outros devem ler.

“Chapeuzinho Vermelho” ilustrado por Mariana Massarani para a editora Manati (Divulgação)

“Uma das principais desculpas para a censura é a segurança. Você comete uma violência justificando que certos setores estão em perigo”, afirmou a este blog, em 2017, Maria Cristina Castilho Costa, do observatório sobre censura da USP. Na época, ela comentava o caso da escritora e ilustradora Silvana Rando, que optou por retirar o seu livro “Peppa” de circulação após pressão de grupos que enxergaram racismo na história (saiba mais aqui).

No caso da infância, há um ingrediente a mais –o que nos leva à segunda lição: tanto um lado quanto o outro do espectro ideológico enxergam a criança como um ser incapaz de ter uma compreensão mais sofisticada das narrativas, servindo como uma esponja sem filtros a tudo o que é exposta. A noção é, no mínimo, polêmica. Para muitos, equivocada.

Mas, mesmo que essa ideia fosse verdadeira, pais e professores censores tomam um caminho tortuoso: preferem a opção mais fácil para eles (a proibição), e não a mais indicada para o desenvolvimento das próprias crianças. Com isso, perdem a oportunidade de discutir assuntos importantes com seus filhos ou alunos, de expô-los a outras realidades, de mostrar o contraditório. E esquecem que redomas de vidro, inevitavelmente, se rompem mais cedo ou mais tarde.

Como costuma dizer o escritor Pedro Bandeira, esses adultos buscam uma suposta manutenção da inocência ou uma não contaminação por padrões sexistas, mas acabam perpetuando a ignorância. Um livro com personagem gay pode ser um bom início de preparação para um mundo sexualmente diverso. Uma história com heróis que repetem padrões sexistas pode ser um gancho para uma conversa sobre esse tipo de comportamento em casa ou na escola.

Nenhum bom livro de literatura infantil traz respostas prontas. Ao contrário: ele é um poderoso início de diálogos e de reflexões na mão de mediadores interessados e de leitores curiosos.

Até porque dificilmente todas as pessoas que sofrem proibições aceitam passivamente a censura –sejam os censurados crianças ou adultos. A ditadura de Stálin não conseguiu varrer Trótski da história. O regime militar brasileiro não pôde exterminar todos os livros e músicas considerados subversivos.

Não se assuste se, em breve, crianças forem flagradas traficando páginas xerocadas de “Chapeuzinho Vermelho” na hora do recreio.

 


GOSTOU?

Clique aqui e receba todas as novidades por email

Você pode entrar em contato com o blog pelo email blogeraoutravez@gmail.com

Ou pelo Instagram @blogeraoutravez

 

Conheça outros posts

]]>
0
Editora arrecada mais de R$ 80 mil para lançar contos de fadas nórdicos no Brasil https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2018/10/01/editora-arrecada-mais-de-r-80-mil-para-lancar-contos-de-fadas-nordicos-no-brasil/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2018/10/01/editora-arrecada-mais-de-r-80-mil-para-lancar-contos-de-fadas-nordicos-no-brasil/#respond Mon, 01 Oct 2018 19:55:37 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/abre-320x213.jpg https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2614 Já foi a época em que o Patinho Feio era apenas um filhote gorducho e tristonho, com pinta de ter saído de um desenho animado dos anos 1980. Ou que a Branca de Neve dançava feliz na floresta, rodeada por anões com bochechas redondas feitas por Walt Disney.

Já foi o tempo também em que as versões originais desses contos de fadas e fábulas vieram à tona e serviram de inspiração para uma série de livros, muitos deles mais voltados para o público adulto, com histórias que nada têm de coloridas, bonitinhas e açucaradas.

São títulos que trazem, por exemplo, a Rapunzel dos irmãos Grimm, que fica grávida do príncipe enquanto está presa na torre. Ou a leitura de Charles Perrault para “Chapeuzinho Vermelho”, em que o Lobo acaba por devorar a menina no final.

Agora a hora é outra. E o interesse pelos contos de fadas originais saiu do universo das histórias conhecidas para alcançar as narrativas das quais nunca ouvimos falar. É o que mostra, por exemplo, um financiamento coletivo feito pela editora Wish para publicar no Brasil uma coletânea de 24 contos nórdicos e uma canção antiga da região.

Com campanha aberta até a próxima segunda (8), a vaquinha na plataforma Catarse já recebeu cerca de R$ 82 mil até o momento –mais de 300% da meta, que era de R$ 26.720.

“Lemos uma quantidade absurda de histórias para fazer a seleção final. Tivemos que tirar alguns contos que são ótimos, mas que não tinham tanto a ver com a cultura nórdica”, conta Marina Avila, fundadora da editora e à frente do projeto de “Os Melhores Contos de Fadas Nórdicos”.

As narrativas vieram de cerca de dez autores, todos nascidos na região que engloba Dinamarca, Suécia, Noruega, Islândia e Finlândia. Entre eles, o mais conhecido por aqui certamente é o dinamarquês Hans Christian Andersen, considerado o pai da literatura infantojuvenil e conhecido por clássicos como “O Patinho Feio” e “A Pequena Sereia” –nenhum dos dois estará no novo livro, que tem previsão de lançamento para janeiro de 2019 e publicará contos pouco falados por aqui, como “A Leste do Sol e a Oeste da Lua”, “A Noiva da Floresta”  e “O Monte Élfico”.

Como estão todos em domínio público, a maior parte foi traduzido do inglês, a partir de versões acessadas digitalmente em sites de diferentes bibliotecas. Mas cinco das histórias foram trazidas do sueco e do norueguês: “A Troca”, “Linda-Gold e o Velho Rei”,  “O Anel”, “Princesa Tuvstarr” e “Heiemo og Nykkjen” (Heiemo e o espírito da água, em tradução livre).

Com a meta superada em mais de três vezes, a edição terá preocupação maior com o acabamento e virá com capa dura, mais de 300 páginas, ilustrações internas e duas cores nas páginas.

Fundada em 2014, a Wish vem se especializando em publicações que resgatam obras em domínio público. “A nossa proposta é fazer o resgate literário de livros antigos, com novas traduções e adaptações”, diz Marina.

Em 2016, a editora fez um financiamento coletivo para lançar “Contos de Fadas em Suas Versões Originais”, que alcançou mais de 800% da meta original e arrecadou R$ 25.474 –um terço do que os nórdicos já conseguiram. No ano passado, foi a vez de levantar coletivamente R$ 29.550 para o segundo volume da coleção. Neste ano, foram arrecadados R$ 35.298 em uma vaquinha para publicar “Sweeney Todd – O Barbeiro Demoníaco”, que inspirou o filme de Tim Burton (2008).

Em todos os casos, os doadores recebem o livro lançado e outros mimos como recompensa, dependendo do valor gasto. Depois de lançadas, as obras ficam à venda no site da editora. “Não estamos nas livrarias por causa das condições de consignação, desconto no preço de cada exemplar e demora no pagamento. Para a Wish, seria perder dinheiro.”

A ideia é continuar lançando contos clássicos de diferentes regiões, entre eles de países africanos. Todos a partir de financiamentos coletivos. “Se tiver um projeto gráfico legal, se forem histórias que não estão disponíveis e se tiver claro quem é o seu público, a chance de sucesso é grande”, garante Marina.

Layout da capa do livro, que tem previsão de lançamento para janeiro de 2019

 


GOSTOU?

Clique aqui e receba todas as novidades por email

Você pode entrar em contato com o blog pelo email blogeraoutravez@gmail.com

Ou pelo Instagram @blogeraoutravez

 

Conheça outros posts

]]>
0
Adaptação de ‘Barba Azul’ resgata lado sombrio dos contos de fadas https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2018/03/25/adaptacao-de-barba-azul-resgata-lado-sombrio-dos-contos-de-fadas/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2018/03/25/adaptacao-de-barba-azul-resgata-lado-sombrio-dos-contos-de-fadas/#respond Sun, 25 Mar 2018 13:57:32 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2018/03/bb52-320x213.jpg http://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2326 Assim que a menina entrou no quarto escuro, seus pés sentiram o chão encharcado e o líquido vazando pelas beiradas dos passos. Os olhos demoraram a lidar com a penumbra. Quando finalmente conseguiu ver alguma coisa, percebeu que aquela água toda era, na verdade, uma piscina de sangue. E que, acima de sua cabeça, corpos de mulheres mortas estavam amarrados no teto.

A cena pode até lembrar algum livro do Stephen King ou um filme obscuro de zumbis dos anos 1970. Mas acredite: é uma história infantil.

O conto do Barba Azul apareceu no clássico “Contos da Mamãe Gansa”, publicado pelo francês Charles Perrault no século 17, e fala sobre um ricaço que se casa com uma jovem. Mais do que a história, vale notar o tratamento que ela recebe: sem concessões, redomas de vidro, quinas arredondadas ou chão emborrachado. Sem esconder a violência, a crueldade, o abuso –mesmo que, em geral, hoje seja direcionada para crianças.

A narrativa ganhou no ano passado uma adaptação em livro que respeita essa versão original, com ilustrações impactantes da argentina Anabella López.

Ilustração de “Barbazul”, de Anabella López (Divulgação)

Mas antes de falar do livro em si, que saiu por aqui pela editora Aletria, vale se debruçar brevemente sobre as histórias originais dos contos clássicos (ou contos de fadas) mais famosos.

No ano passado, escrevi para a Ilustríssima um artigo sobre edições recentes que vêm resgatando essas versões –em geral, mais macabras, sombrias sem preocupações em adaptar certas crueldades e temas para o público infantil (quem tiver interesse pode ler a íntegra aqui).

Não é só “O Barba Azul”. Vale lembrar, por exemplo, que a Rapunzel dos irmãos Grimm fica grávida do príncipe enquanto está presa na torre. Ou que, na versão do mesmo Perrault para “Chapeuzinho Vermelho”, o Lobo devora a menina no final.

Isso ocorre principalmente porque o conceito de infância mal existia à época em que essas histórias foram reunidas em livro. Até a Idade Média, a criança era integrada ao mundo dos adultos assim que conseguia independência física. O quadro só muda a partir do século 19, quando pais desenvolvem um sentimento de proteção maior em relação aos filhos. Direitos específicos, surgem só no século 20. A Declaração dos Direitos da Criança da ONU é de 1959.

Por isso, em vez de serem didáticos, os contos se aproximam das narrativas míticas e até dos aforismos, baseando-se na lógica do arquétipo e dos ritos de sociedades primitivas. É só na virada para o século 20 que eles passam a ser adaptados para os menores –na literatura e posteriormente no cinema, principalmente pelas mãos (e pincéis) de Walt Disney.

É essa atmosfera que diversas edições recentes procuraram recuperar. E que transborda de “Barbazul”, de Anabella López, edição em capa dura que adapta a narrativa do homem com riqueza imensa, barba azul e uma aura de repulsa que faz todos se afastarem dele. Sobretudo as mulheres.

Embora seja uma adaptação, o que pode ser visto já na aglutinação do título, a autora consegue resgatar no texto e nas imagens a versão original. As ilustrações são sombrias e geram uma vontade de enquadrá-las na parede de casa. A página dupla que dá forma à cena que abre este texto, por exemplo, quando a mulher descobre os cadáveres no quarto, é praticamente uma tela abstrata pintada de vermelho-sangue. Ver nesse caos os rostos de pessoas pedindo ajuda ou o olhar de uma aranha tem o poder de gerar certa angústia no leitor.

A edição, lançada originalmente em 2013 pela editora argentina Calibroscopio, não é a única que revela o lado sombrio do conto. Em 2009, a Companhia das Letrinhas publicou “O Barba-Azul”, com texto de Perrault traduzido. A extinta Cosac Naify lançou em 2015 uma versão integral de “Contos da Mamãe Gansa”.

A diferença é que, além do texto mais curto, Anabella também dá um sutil verniz feminista para a história. Já a partir da epígrafe (“Para todas nós, mulheres”), há um esforço para que o clima da narrativa mostre como Barba Azul veste a capa de abusador e como sua mulher luta para se livrar da violência e das garras do marido.

O discurso do empoderamento só escorrega em um detalhe –e aqui vai um spoiler do livro. Ao utilizar a lente de um tema fundamental e caro ao presente para enxergar um texto do século 17, pode-se forçar algumas interpretações. Como passar despercebido que a donzela só não perde o pescoço no final por causa da intervenção de seus irmãos. Todos homens.

 

“Barbazul”

Adaptação e ilustrações Anabella López

Tradutora Susana Ventura

Editora Aletria

Preço R$ 40,90 (2017, 36 págs.)

Leitor intermediário + leitura compartilhada

 


GOSTOU?

Clique aqui e receba todas as novidades por e-mail

Você pode entrar em contato com o blog pelo e-mail blogeraoutravez@gmail.com

Ou pelo instagram @blogeraoutravez

 

Conheça outros posts

]]>
0
Conheça a história original de ‘A Bela e a Fera’, que ganha novo filme da Disney https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2017/03/16/conheca-a-historia-original-de-a-bela-e-a-fera-que-ganha-novo-filme-da-disney/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2017/03/16/conheca-a-historia-original-de-a-bela-e-a-fera-que-ganha-novo-filme-da-disney/#respond Thu, 16 Mar 2017 05:21:57 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2017/03/a-bela-e-a-fera_ilustra-180x99.jpg http://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=1276 Era 1991 quando a animação da Disney “A Bela e a Fera” estreou nos cinemas do mundo todo e marcou uma geração. O desenho sobre a menina que vai viver no palácio de um monstro e se apaixona pela criatura não apenas se tornou a primeira animação a concorrer ao Oscar de melhor filme, mas também se cristalizou com o passar dos anos como a principal referência quando o assunto é o conto de fada.

Só que não é bem assim. O clássico adaptado pela empresa do Mickey é apenas uma das versões de “A Bela e a Fera”, cuja história já foi tema de musical, peça de teatro e até peça para piano. Todas foram inspiradas em duas histórias diferentes, publicadas no século 18 por duas autoras francesas: Madame de Beaumont e Madame de Villeneuve. Ambas traduzidas para o português e lançadas no ano passado pela editora Zahar no Brasil (a ilustração acima é da obra).

Talvez a história que mais se aproxime das versões da Disney seja a de Beaumont, que veio a público em 1756 –ou seja, 33 anos antes da Revolução Francesa. A autora costumava se corresponder com Voltaire, tinha ideias próximas às de Rousseau e defendia um modelo pedagógico rigoroso para crianças que a colocou como uma das escritoras de ficção mais famosas na Europa do século 18, como aponta o escritor Rodrigo Lacerda em prefácio da edição da Zahar.

Curto, direto, com poucas tramas ou personagens secundários de peso e sem firulas que atrapalhem a narrativa, a versão de Beaumont é feita sob medida para leitores em formação e cai como uma luva para uma produção da Disney.

 

Do lado oposto está a versão de Villeneuve, de 1740, considerada “A Bela e a Fera” original. Com tamanho suficiente para ser chamado de romance, essa versão (a primeira publicada) é mais abrangente e chega a destrinchar todo o passado do monstro do título, por exemplo. Quem já se perguntou como a Fera foi ficar daquele jeito, onde passou a infância, quem eram os seus pais ou outras questões do gênero certamente vai se divertir com a história.

No texto, a autora conta que a Fera era um menino normal, filho de um rei que morreu e cuja mãe precisou tomar conta de todo o reino após a tragédia. Para ajudá-la na tarefa, a rainha pede a ajuda de uma fada –só que, anos depois, essa mesma fada decide casar-se com o garoto. Sai daí a faísca que levará ao incêndio cujo final é o garoto transformado em monstro.

Lacerda mostra ainda que críticos fazem outra distinção entre as duas histórias originais. Para eles, Villeneuve daria maior atenção ao processo de humanização da Fera, enquanto Beaumont estaria mais preocupada com o esforço de Bela em se abrir ao diferente –uma visão que ficaria próxima de um conformismo perante seu destino.

Seja como for, as duas aventuras ajudam o leitor a ver “A Bela e a Fera” com outros olhos –longe do bules que cantam ou da fofura dos números musicais, mas sempre perto dos descobrimentos que envolvem a história.

 

“A Bela e a Fera”

Autoras Madame de Beaumont e Madame de Villeneuve

Tradutor André Telles

Editora Zahar

Preço R$ 29,90 (2016; 240 págs)

Leitor intermediário + leitura compartilhada

 


GOSTOU?

Clique aqui e receba todas as novidades por e-mail

Você pode entrar em contato com o blog pelo e-mail blogeraoutravez@gmail.com

Ou pelo instagram @blogeraoutravez

 

Conheça outros posts

]]>
0
O que acontece se você misturar Saramago com xilogravura de cordel? https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2017/01/26/o-que-acontece-se-voce-mistura-saramago-com-xilogravura-de-cordel/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2017/01/26/o-que-acontece-se-voce-mistura-saramago-com-xilogravura-de-cordel/#respond Thu, 26 Jan 2017 18:46:32 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2017/01/Saramago_Lagarto2-720x320-180x80.jpg http://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=1087 O escritor português José Saramago (1922-2010), vencedor do prêmio Nobel de Literatura, costumava falar da dificuldade de escrever para crianças. Em um dos seus poucos livros infantis, “A Maior Flor do Mundo”, ele comenta essa complexidade.

“As histórias para crianças devem ser escritas com palavras muito simples, porque as crianças sendo pequenas, sabem poucas palavras e não gostam de usá-las complicadas. Quem me dera saber escrever essas histórias, mas nunca fui capaz de aprender, e tenho pena”, escreveu.

Mas claro que era uma modéstia do autor. As obras infantis de Saramago são estimulantes, tiram as crianças do lugar comum, do vocabulário pobre, das imagens já desgastadas –afinal, para isso deveria servir a literatura, certo? Grande exemplo disso é “O Lagarto”, lançado no fim do ano passado pela Companhia das Letrinhas.

O enredo é simples, mas inventivo. Em um belo dia, um lagarto gigante aparece no meio da rua da cidade. O susto foi geral, o trânsito parou, uma velha foi aos gritos, uma moradora derrubou as flores que carregava. Como lidar com um monstro (e com o pânico que ele causa) atrapalhando a metrópole?

As metáforas de Saramago, que por um instante lembram a flor que brota do asfalto do poema de Carlos Drummond de Andrade, ganham potência nas xilogravuras coloridas que ilustram a história. Todas feitas por J. Borges, um dos maiores nomes vivos da cultura popular nordestina e da literatura de cordel.

Com um traço inconfundível, Borges cria um lagarto com jeito de dragão, que passeia pelas páginas ao redor de homens e mulheres que bem poderiam estar num folheto de cordel. Mistura que leva a trama a outro lugar, próximo ao conto de fadas. Aliás, já no começo do livro, Saramago diz que “O Lagarto” é, justamente, uma história de fadas.

O casamento de literatura infantojuvenil com a xilogravuras de J. Borges não é inédita. Em 2012, ele já havia ilustrado uma edição de “Contos Maravilhosos Infantis e domésticos”, coletânea de contos de fadas dos irmãos Grimm, publicada pela finada Cosac Naify. As ilustrações inspiraram até uma exposição, chamada de “Grimm Agreste” (veja abaixo).

 

*

 

“O Lagarto”Saramago_capa

Autor José Saramago

Ilustrações J. Borges

Editora Companhia das Letrinhas

Preço R$ 39,90 (2016; 32 págs.)

Leitor intermediário + leitura compartilhada

 


GOSTOU?

Clique aqui e receba todas as novidades por e-mail

Você pode entrar em contato com o blog pelo e-mail blogeraoutravez@gmail.com

Ou pelo instagram @blogeraoutravez

 

Conheça outros posts

]]>
0
Neil Gaiman é o rei da esquisitice também para crianças https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2017/01/11/neil-gaiman-e-o-rei-da-esquisitice-tambem-para-criancas/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2017/01/11/neil-gaiman-e-o-rei-da-esquisitice-tambem-para-criancas/#respond Wed, 11 Jan 2017 13:21:55 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2017/01/Ilustra_14r-180x92.jpg http://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=986 São poucos os escritores que conseguem fazer bons livros para adultos e também para crianças. Neil Gaiman é um deles.

O autor e roteirista de quadrinhos britânico tem o nome mais lembrado por suas histórias sombrias, que costumam deixar os olhos arregalados e o queixo caído –principalmente após o sucesso da HQ “Sandman”, mas também por romances como “Deuses Americanos” e “Stardust”, por exemplo. Só que Gaiman também consegue ser interessantíssimo (e, às vezes, divertidíssimo) para crianças.

Mas sempre meio malucão. Por exemplo, em um dos últimos títulos do autor lançados no Brasil, “Felizmente, o Leite”. A história traz um pai que vai ao mercado comprar uma garrafa de leite para seus filhos. No caminho, ele é abduzido por extraterrestres melequentos, encontra um dinossauro cientista dono de uma máquina do tempo, enfrenta piratas de séculos passados e tribos ancestrais (retratadas na ilustração de Skottie Young, que abre este texto).

Tudo numa narrativa cheia de idas e vindas para explicar por que o pai demorou “mil horas” para finalmente chegar com a garrafa que permitiria aos filhos comer o cereal no café da manhã. Aliás, a paternidade é tema constante nas obras infantojuvenis do autor.

Em “O Dia em que Troquei meu Pai por Dois Peixinhos Dourados”, uma das histórias mais interessantes e indicada para leitores mais novos, Gaiman conta como o personagem fez a transação do título: trocou o pai por dois peixinhos que ele queria muito, muito mesmo. Claro que a mãe não gosta nada do negócio e exige o marido de volta, o que vai ser bem complicado.

A relação familiar aparece também em “O Livro do Cemitério”, que, em 2009, recebeu um dos mais importante prêmios da literatura infantil no mundo: a Medalha Newbery. A obra faz referências a “Os Livros da Selva”, de Rudyard Kipling, protagonizado por Mogli, menino criado por lobos. Na história de Gaiman, um bebê foge do assassino de seus pais e engatinha até um cemitério, onde é adotado por fantasmas.

Outro dos livros que voltam ao tema é “Coraline”, com sua caótica relação familiar e pais com botões no lugar dos olhos –a história foi adaptada para o cinema em 2009, e, tanto livro quanto filme, ganharam diversos prêmios mundo afora.

Se “O Livro do Cemitério” traz um pouco de Mogli, “Coraline” é comparada a “Alice no País das Maravilhas”. Histórias clássicas e contos de fadas fazem sempre parte do imaginário do escritor, que gosta de brincar com essas referências. É o caso de “A Bela e a Adormecida”, em que mistura as aventuras de Bela Adormecida e Branca de Neve para criar uma trama sobre uma rainha que sai de seus domínios na companhia de três anões para investigar um fenômeno estranho: todo mundo do reino vizinho caiu no sono.

Toda essas histórias foram publicadas no Brasil pelos selos da editora Rocco, que lançou também em 2016 “Criaturas Fantásticas”. A coletânea não é para crianças, mas para adultos ou adolescentes interessados na obra de Gaiman, e traz 16 contos de diversos autores escolhidos pelo escritor. É uma boa maneira de entender o universo que ronda a sua mente  –seja na hora de criar narrativas para crianças ou para adultos. Claro que um dos contos é do próprio Gaiman: o inédito “Pássaro do Sol”, escrito como presente de aniversário para sua filha Holly.

 

*

 

“Felizmente, o Leite”felizmente-o-leite

Autor Neil Gaiman

Tradutor Edmo Suassuna

Ilustrador Skottie Young

Editora Rocco Jovens Leitores

Preço R$ 24, 50 (2016; 128 págs.)

Leitor intermediário

 

“Criaturas Estranhas”criaturas-estranhas-neil-gaiman-1

Autores vários (seleção de Neil Gaiman)

Tradutores Antônio Xerxenesky e Bruno Mattos

Editora Fantástica Rocco

Preço R$ 44,50 (2016; 400 págs.)

Leitor avançado

 


GOSTOU?

Clique aqui e receba todas as novidades por e-mail

Você pode entrar em contato com o blog pelo e-mail blogeraoutravez@gmail.com

Ou pelo instagram @blogeraoutravez

 

Conheça outros posts

]]>
0
Escritora incentiva crianças a inventar versão feminista de ‘Cinderela’ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2016/11/25/escritora-incentiva-criancas-a-inventar-versao-feminista-de-cinderela/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2016/11/25/escritora-incentiva-criancas-a-inventar-versao-feminista-de-cinderela/#respond Fri, 25 Nov 2016 05:55:00 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2016/11/cinderela3-180x83.jpg http://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=816 Uma mulher que sonha com o príncipe encantado e perde um sapatinho que é o pontapé inicial para um grande amor. Cinderela pode até continuar marcando a infância de gerações, mas está longe da tão buscada igualdade de gênero –pelo menos é o que afirma a escritora britânica Jeanette Winterson.

Por isso, ela visitou uma escola primária na Inglaterra para conversar com crianças sobre o tema e, depois, incentivá-las a inventar um novo conto de fadas, mais inclusivo, em que a personagem feminina fosse mais dona de seu próprio nariz. “O que vocês acham da Cinderela? O que gostariam de mudar na história? Como deixá-la mais igual para homens e mulheres?”, provocou a autora para uma plateia de oito alunos.

E as crianças mergulharam na proposta. Na versão delas, Cinderela é odiada pela família, mas ganha seu próprio dinheiro, com o qual compra um terno e um par de tênis –que, claro, ela esquece no fim do evento.

Quando o príncipe encontra o sapato e finalmente descobre quem é a dona dele, Cinderela decide não se casar com o herói. Ao contrário: os dois se tornam amigos e saem para explorar o mundo juntos.

A BBC produziu um vídeo com a experiência da autora, que pode ser visto neste link. A proposta faz parte da série “100 Mulheres”, na qual a emissora anualmente celebra mulheres influentes e inspiradoras de todo o mundo.

Winterson, um dos nomes mais cultuados da nova literatura britânica, já esteve no Brasil e, em 2005, participou da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty). Sua obra tem poucos livros para crianças –entre eles, está “The King of Capri”, sobre um rei ganancioso e uma mulher pobre que acabam tendo os destinos aproximados.

 


 

GOSTOU?

Clique aqui e receba todas as novidades por e-mail

Você pode entrar em contato com o blog pelo e-mail blogeraoutravez@gmail.com

Ou pelo instagram @blogeraoutravez

 

Conheça outros posts

 

]]>
0