Era Outra Vez https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br Literatura infantojuvenil e outras histórias Wed, 28 Aug 2019 18:58:05 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Autores e editores criticam governo por fixar temas em edital de livros https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2018/05/11/autores-e-editores-criticam-governo-por-fixar-temas-em-edital-de-livros/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2018/05/11/autores-e-editores-criticam-governo-por-fixar-temas-em-edital-de-livros/#respond Fri, 11 May 2018 05:00:26 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2018/05/barbaro-formato-205x275-on-320x213.jpg http://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2402 Tinha tudo para ser uma boa notícia. Após suspender as compras de livros infantojuvenis no fim do mandato de Dilma Rousseff e abandonar o PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola), o governo federal lançou neste ano edital para adquirir obras de literatura para os colégios.

Ao ler o regulamento do novo PNLD Literário (Programa Nacional do Livro Didático), porém, autores, ilustradores, editores e profissionais ligados ao livro para crianças suspenderam a comemoração.

“A mudança do nome do programa já indica, por si só, uma transformação na política relacionada à formação de leitores na escola”, afirma a pedagoga Sandra Medrano, coordenadora da Comunidade Educativa Cedac e da revista Emília, especializada em literatura infantojuvenil.

São três as principais reclamações do grupo.

1. As histórias devem ser direcionadas a faixas etárias específicas e seguir eixos temáticos predefinidos.

Com isso, livros precisam abordar temas como a descoberta de si, a relação com a família ou as inquietações da juventude, por exemplo. Outros assuntos podem ser tratados, desde que sejam devidamente nomeados e justificados.

Para Sandra, literatura não é produzida dessa maneira. “Isso fica a cargo dos didáticos e dos paradidáticos. A literatura de qualidade está aberta para reflexões e interpretações.”

2. Com exceção das obras para a educação infantil, os títulos precisam ter tamanhos e tipos de papel específicos. São três formatos: 205 mm x 275 mm; 270 mm x 270 mm; 135 mm x 205 mm. Os que fogem dessas especificações terão que ser adaptados.

“A forma é uma das principais bases de criação e tem conexão direta com a narrativa. Restringir a três formatos significa engessar o pensamento. Em relação ao papel, tenho mais um temor. A baixa gramatura pode ser um limitador de criação visual”, afirma a escritora e designer Raquel Matsushita.

A convite da Folha, os autores e ilustradores Fernando Vilela e Renato Moriconi adaptaram dois de seus livros premiados (“Lampião e Lancelote” e “Bárbaro”, respectivamente) aos tamanhos do edital e avaliaram se há perdas na narrativa. O resultado pode ser visto abaixo.

3. Editoras menores temem sair em desvantagem.

De acordo com Marcelo Del’Anhol, um dos principais problemas é o curto prazo. “Tivemos pouco mais de cinco semanas para a inscrição. Grandes editoras têm equipe maior e menos dificuldades para cumprir as exigências”, diz ele, que é editor da Olho de Vidro, criada em 2017 e com dois livros em catálogo.

Com pré-inscrição aberta até sexta (11) e inscrições até o dia 25 de maio, o edital define que as escolhas serão feitas por comissões técnicas e educadores. Mas não diz quanto será gasto nem quantos exemplares serão adquiridos, o que vai depender de negociações futuras de preço.

Os valores totais, contudo, não devem superar o previsto para o PNLD no ano passado: R$ 1,7 bilhão.

EXEMPLOS DE MUDANÇAS

Páginas originais do livro ‘Lampião e Lancelote’, de Fernando Vilela
Adaptação para 270 mm x 270 mm, formato previsto no edital do PNLD

“A obra foi pensada na forma horizontal, pois as ilustrações exploram o horizonte do sertão nordestino e da Idade Média. Na adaptação, a cena tem menos respiro, menos movimento e perdemos o cacto, empobrecendo a potência gráfica”

Fernando Vilela
autor de ‘Lampião e Lancelote’

 

*

 

Formato original do livro ‘Bárbaro’, de Renato Moriconi
Adaptação de páginas do livro ‘Bárbaro’, de Renato Moriconi, para 205 mm x 275 mm, tamanho do edital do PNLD; nela, o personagem é espetado pelas lanças

“Com menos espaço vertical, o guerreiro foi espetado. As escolas receberão livros rasurados, violados. O edital é uma violência”

Renato Moriconi
autor de ‘Bárbaro’

OUTRO LADO

Questionado sobre as críticas de autores e editores feitas ao edital de compra de livros, o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), órgão ligado ao Ministério da Educação e que responde pelo programa, afirma que não há confusão entre obra literária e didática no edital.

Diz ainda que a exigência de faixas etárias e temas específicos foi elaborada por avaliadores e pesquisadores do antigo PNBE.

Sobre tamanhos e tipos de papel predeterminados, o órgão afirma que os três formatos possíveis preservam as características básicas das obras originais.

Acerca da espessura das páginas, afirma que muitos produtos usam essa gramatura, preservando a qualidade de impressão.

 


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Pais preferem pagar celular em 24 meses a comprar um livro, diz Ilan Brenman https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2018/02/15/pais-preferem-pagar-celular-em-24-meses-a-comprar-um-livro-diz-ilan-brenman/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2018/02/15/pais-preferem-pagar-celular-em-24-meses-a-comprar-um-livro-diz-ilan-brenman/#respond Thu, 15 Feb 2018 11:55:54 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2018/02/abertura-150x150.jpg http://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=2184 Ilan Brenman parece estar em todos os lugares. Nascido em Israel, o escritor brasileiro tem livros traduzidos em países como Espanha, Dinamarca, Polônia, China e Coreia do Sul.

“Os livros são bem aceitos, receberam prêmios internacionais. Mas a repercussão disso no Brasil não existe. A arte para crianças ainda é vista como menor, sem importância.”, acredita.

A avaliação acontece principalmente porque, no ano passado, Brenman publicou pela primeira vez uma história inédita fora do país. O livro “Qui a Soufflé Mes Bougies?” (“Quem Assoprou as Minhas Velas?”, em português) saiu primeiro na França e já ganhou versões na Espanha, na Itália e em Taiwan –no Brasil, ainda não tem data nem editora para ser lançado.

O que não quer dizer que ele não esteja publicando por aqui também. Seu último título no Brasil é “A Menina Furacão e o Menino Esponja”, pela Trioleca (uma das ilustrações abre este texto). A história, sobre uma menina espevitada que encontra um garoto quietinho, já está de malas prontas e deve seguir em breve o destino de outras histórias do escritor. O livro tem com negociações adiantadas para ser lançado na Espanha.

Na entrevista abaixo, Brenman fala sobre o seu projeto de internacionalização e também sobre censura a livros infantis e as eleições do ano que vem.

 

*

 

FOLHA – Com 20 livros publicados fora do Brasil, é uma preocupação sua criar histórias universais que possam agradar editoras de fora?

Ilan Brenman – Ao contrário. Acho que quanto mais local melhor. O processo é sempre pensar no texto e ter uma preocupação literária. Quero que as crianças riam, tenham medo, sintam empatia –ou antipatia, mas que sintam alguma coisa. Na hora em que começar a pensar no universal, não vai dar certo. Vai ser um desastre.

 

Mesmo assim, começou a publicar livros primeiro na Europa.

Foi passo a passo. No começo, meu sonho era publicar o primeiro livro de ficção. Até que saiu “O Pó do Crescimento e Outros Contos” (ed. WMF Martins Fontes), em 2001. Depois, quis lançar minhas histórias fora do país. Saber se os livros tinham qualidade para atingir outros públicos.

Quando deu certo, coloquei o desafio de publicar primeiro lá fora. Eu já tinha contato com diferentes editoras na Europa e, no ano passado, saiu o “Qui a Soufflé Mes Bougies?” pela editora P’tit Glenat, da França. Deu supercerto e já foi traduzido na Itália, na Espanha e em Taiwan. Estamos em negociação para publicar por aqui também. Fora isso, estou conversando com a minha editora italiana para fazer uma história exclusiva para eles.

 

Em outras conversas, você já disse que esse movimento de internacionalização não foi muito comentado no Brasil. Acredita que é por se tratar de literatura para crianças?

Não foi só o fato de publicar uma história diretamente lá fora. Os livros traduzidos são muito bem aceitos, receberam prêmios –o último é da Fundación Cuatrogatos, dos Estados Unidos [“El Sapo y los Niños” e “Engaños”, traduzidos para o espanhol, receberam menções na premiação deste ano]. Mas a repercussão disso no Brasil não existe. A arte para crianças ainda é vista como menor, sem importância.

Mas, quando participo de uma entrevista em outros países ou sou publicado por lá, sempre sou apresentado como autor brasileiro. De certa forma, represento o Brasil. Se fosse um escritor para adultos que vendesse o que meus livros vendem na Europa, ia ser mais chamativo. Com certeza.

 

Por que resolveu priorizar a Europa nesse processo?

Lá os livros têm uma qualidade surpreendente, fenomenal. Quando lanço no Brasil, quero chegar o mais próximo possível daquele nível de excelência. Não tenho interesse em fazer um produto mais ou menos. Quero livros que tenham um patamar mínimo de qualidade e de estética para a criança. Na Europa, em geral, você encontra isso. Mas não tenho dúvidas de que, um dia, vamos chegar lá.

 

O livro tem uma qualidade superior e, proporcionalmente, é mais barato do que aqui.

A primeira explicação é histórica. A imprensa surge na Europa no século 15. São mais de 500 anos imprimindo livros, jornais e tudo o que você possa imaginar. No Brasil, a primeira gráfica surge no século 19. Fora isso, eles têm a possibilidade de imprimir no Leste Europeu e na China, de onde estão mais próximos do que nós. E, assim, diminuir os custos da produção.

Esses dois fatores se somam ao número de leitores, muito superior ao nosso. Isso também diminui custos. Quanto mais você imprime, mais barato sai o produto. Só que no Brasil existe um ciclo que precisa ser quebrado em relação a essa ideia. Aqui imprime-se pouco porque temos poucos leitores. Mas, com poucos exemplares disponíveis, poucos leitores são formados. Isso se retroalimenta.

 

O livro é caro no Brasil?

Se pensar proporcionalmente no preço do livro em relação ao salário mínimo, pode-se dizer que sim. Mas a questão é mais complexa. Tem muita gente que ganha um ou dois salários mínimos, mas se esforça para dar um celular ou o boné da moda para o filho. Eles têm todo o direito de dividir o presente em quinze vezes e usar o décimo terceiro para isso. A questão não é essa.

Só que é preciso dizer a esses pais que um livro é tão importante quanto esses produtos. Na Europa, a classe operária é leitora. Você encontra bibliotecas e crianças leitoras em todas as classes sociais. Eles têm clareza da importância da literatura na formação de um país. No Brasil, pouco. Em vez de pagar R$ 40 em um livro, o pai prefere gastar R$ 40 durante 24 meses para ter um celular –sendo que o aparelho vai precisar ser trocado em pouco tempo, enquanto o livro é um brinquedo que nunca fica gasto.

 

O mesmo ocorre com as faixas mais ricas da população, não?

A classe média e as mais abastadas também não valorizam o livro e a literatura. As casas não têm bibliotecas, não existem livros nos quartos das crianças. Isso diz muito sobre uma parcela da nossa elite.

 

NOME Ilan Brenman // IDADE 44 // LIVROS RECOMENDADOS “Até as Princesas Soltam Pum”, “Bocejo”, “Telefone Sem Fio”, “A Festa de Aniversário” // LIVRO FAVORITO NA INFÂNCIA “Zero Zero Alpiste”, de Mirna Pinsky  (Foto: Divulgação)

 

Qual é o caminho para reverter esse cenário?

É um processo longo, mas que está sendo trilhado. Quase todas as crianças hoje estão na escola. Já é um grande passo. Se elas estão aprendendo adequadamente, é outra questão. A próxima etapa é melhorar a escola e fazer com que os alunos estudem com qualidade. Se eles não aprenderem português direito, como vão ler livros?

 

Os programas governamentais de incentivo à leitura, principalmente os de compras de livros, deram certo?

Deram certo sim. Em mais de 20 anos de programas no nível federal, obras de qualidade que eram exibidas nas livrarias de São Paulo e do Rio chegavam aos confins da Amazônia. Existia também uma preocupação na formação de professores e de mediadores para que trabalhassem essas histórias.

Mas esses programas acabaram. E, com isso, o processo de incentivo à leitura no país foi interrompido. Os exemplares vão estragando nas escolas, as histórias não são renovadas. Os efeitos prejudiciais aparecerão no médio e no longo prazo. O que está sendo feito hoje vai mostrar efeitos daqui a 20 anos. Os adultos são um reflexo do passado.

 

A solução passa necessariamente por uma política pública do governo federal?
Não tem outra saída, ainda mais em um país com 200 milhões de habitantes. Todos os lugares do mundo que valorizam a literatura na infância fizeram isso de alguma forma. Até nos Estados Unidos. Vale lembrar a importância das bibliotecas públicas americanas.

O Temer não se diz poeta? Nunca vi o presidente falar sobre livro ou literatura. Se um cara desses não se pronuncia, se o ministro da Educação não fala ou fala pouco sobre o assunto, podemos entender que a literatura e a leitura para crianças não são uma pauta do Brasil. O que é uma pena.

 

Como vê esse tema à luz das eleições que acontecerão neste ano?
Depende muito do que vai acontecer. Se alguns candidatos ganharem, aí é que a coisa vai para o brejo. Porque não vai ser apenas a questão da compra do livro. Passa a ser também o conteúdo desses livros.

 

Você se refere ao pré-candidato Jair Bolsonaro? [Em 2016, o deputado se pronunciou contra o conteúdo do livro “Aparelho Sexual e Cia.”, da Companhia das Letrinhas, por supostamente incentivar a pedofilia ao falar para o público infantil sobre sexo]

É bem preocupante. Nossa democracia é muito nova, a liberdade de criação é recente. Alguns setores podem até não gostar de determinados conteúdos, mas não têm o direito de impedir a publicação. Isso é um aprendizado que o brasileiro precisa ter. Se você acha um livro infantil ruim, não leia aquela obra ou aquele autor para o seu filho –mas não exija a retirada dos exemplares das livrarias. Se hoje você é o autoritário, amanhã pode ser a vítima do autoritarismo. É um bumerangue.

 

Essa patrulha do conteúdo dos livros acontece em todos os campos ideológicos.

Hoje, no Brasil, temos grupos tanto da direita quanto da esquerda que se fecham e não querem mais construir pontes. É o que eu chamo de mito de Procusto. Esse personagem aparece na história do Teseu e tinha uma casa em que recebia viajantes. As visitas dormiam sempre em uma cama de ferro, que tinha um determinado tamanho. Se o cara fosse maior do que a cama, Procusto cortava as pernas dele. Se fosse menor, esticava a pessoa. Ou seja, sempre forçava o visitante a ter o tamanho da cama.

Esse é o símbolo do que vivemos no Brasil hoje. A pessoa tem a sua cama, a sua ideia. Se a realidade ou os fatos não se encaixam no tamanho daquela ideia, ela vai dar um jeito: vai cortar as pernas ou distorcer tudo. Acontece na literatura. Se alguém acha que determinado livro é depravado, vai encaixar toda a história no conceito de depravação. Se acha que desrespeita algum grupo, vai forçar a narrativa até encaixá-la nesse desrespeito.

 

Seu último livro, “A Menina Furacão e o Menino Esponja”, esbarra nesse tema, já que fala de duas crianças completamente diferentes que aprendem a conviver.

O texto nasceu porque queria falar de mim e de minhas filhas. Eu tenho uma menina furacão em casa. E fui um garoto esponja. Mas claro que esbarra em temas universais. O livro trata do diferente e de como esses opostos podem se encontrar e aprender a conviver. Alguns leitores relacionaram a história à polarização dos nossos tempos. Eu acho isso muito bonito. Isso é literatura.

 

*

 

3 LIVROS RECENTES DO AUTOR

“A Menina Furacão e o Menino Esponja”

Uma garota espevitada que não para quieta encontra um menino que é o seu oposto

Ilustradora Lucía Serrano

Editora Trioleca

Preço R$ 42 (2017, 32 págs.)

Leitor iniciante + leitura compartilhada

 

“O Rei Davi, o Príncipe Salomão e o Ovo Cozido”

A história judaica sobre o impasse entre um homem e o seu credor é ilustrada por uma iraniana

Ilustradora Rashin Kheriyeh

Editora Sesi-SP

Preço R$ 39 (2017, 32 págs.)

Leitor intermediário + leitura compartilhada

 

“Agora!”

O que será que crianças ao redor do mundo estão fazendo exatamente agora?

Ilustrador Guilherme Karsten

Editora Sesi-SP

Preço R$ 46 (2017, 32 págs.)

Leitor iniciante + leitura compartilhada

 


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Livros infantis são retirados de escolas e livrarias por pressão de grupos que os acham impróprios https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2017/11/23/livros-infantis-sao-retirados-de-escolas-e-livrarias-por-pressao-de-grupos-que-os-acham-improprios/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2017/11/23/livros-infantis-sao-retirados-de-escolas-e-livrarias-por-pressao-de-grupos-que-os-acham-improprios/#respond Thu, 23 Nov 2017 05:00:04 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2017/11/capa-peppa-1-180x92.jpg http://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=1950 Peppa, a personagem cabeluda que abre este texto, não vai mais exibir os fios por aí: seu livro foi tirado de circulação neste mês. Antes, há quase seis meses, a obra “Enquanto o Sono Não Vem” também passou por algo parecido e teve um pedido de recolhimento feito pelo MEC (Ministério da Educação).

Os dois casos ilustram um movimento que vem tomando corpo no Brasil. Livros infantojuvenis se tornaram alvo de pressão de grupos ligados tanto à direita quanto à esquerda, que defendem a remoção de obras consideradas impróprias para crianças.

O caso mais recente é o de “Peppa”, da ilustradora Silvana Rando, publicado em 2009 pela Brinque-Book (e que não é a porquinha do desenho animado).

Com mais de 37 mil exemplares vendidos, o livro fala de uma garota que tem o “cabelo mais forte do universo”, “resistente como fios de aço”. Descontente, ela decide alisá-lo. Só que o tratamento prevê proibições, entre elas nadar na piscina, rir demais e até abrir a geladeira muitas vezes.

“Todas as páginas desse livro têm um problema. Todas. É um livro extremamente racista.” A opinião é da youtuber e ativista Ana Paula Xongani. A crítica, feita em abril de 2016 em seu canal, viralizou.

A polêmica se estendeu por um ano e meio, período em que a escritora foi chamada de racista e a blogueira foi perseguida pelo grupo oposto por supostamente não ter compreendido a obra. Até que, no início deste mês, editora e escritora decidiram recolher o título.

“Percebi que dois livros passaram a existir: o que eu criei, com uma mensagem de aceitação das diferenças, e o da interpretação da Ana Paula. Não queria que crianças se machucassem por causa de uma mediação de leitura enviesada. Por isso optei pela retirada”, afirma Silvana.

A história não é mais vendida pela Brinque-Book. Livrarias que tinham exemplares em consignação tiveram que devolvê-los ou comprá-los definitivamente. O material recolhido ficará em um depósito da editora e não precisará ser picotado. “Não me arrependo de ter feito o livro nem de ter tirado de circulação. Acho bacana o papel dele agora, de levantar essa discussão. Melhor que ter uma obra enfiada em uma livraria”, diz a autora.

“Minha intenção era que o livro não atingisse as crianças”, disse Xongani à Folha. E completa: “Ele é inadequado para essa faixa etária.”

Em junho, o ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM), usou frase parecida para falar de “Enquanto o Sono Não Vem”. “Faremos ação de proteção das crianças, para que elas não tenham acesso a uma literatura inadequada às suas faixas etárias.”

O livro de José Mauro Brant, publicado pela Rocco em 2003, reúne contos da cultura popular e foi selecionado pelo governo federal em 2014 para ser distribuído em escolas públicas do país.

No capítulo “A Triste História de Eredegalda”, um pai propõe casamento à filha, que nega a proposta. Acusações de incesto e pedofilia varreram a internet no primeiro semestre. Em seguida, um parecer técnico do MEC considerou a obra inadequada e recomendou o recolhimento dos 93 mil exemplares adquiridos.

Em nota, o ministério informa que, como os livros já estavam em fase final de distribuição, Estados e municípios foram orientados a encaminhá-los para bibliotecas.

“Conheço professores que conseguiram impedir a retirada. Foi um teatro do MEC”, diz Brant. Autor e editora defendem que a história é contada desde os tempos medievais. “Não existe pedofilia. Existe, sim, um incesto não realizado. Mas a personagem diz ‘não’ à violência”, afirma.

Brant diz que a decisão do MEC afetou sua carreira. “Não sei o que vai acontecer com a minha vida de contador de histórias. Depois disso, só fui convidado para fazer debates sobre o que aconteceu com o livro. Mas sou um ator, uma pessoa do palco.”

Embora tenha pensado em também tirar o livro de circulação, ele manteve a publicação e planeja para 2018 um novo livro sobre a história de Eredegalda. A edição, que deve sair pela Aletria e chamará “Elas Disseram Não”, trará outras versões do conto acompanhadas de textos de acadêmicos e profissionais da literatura sobre o pedido de recolhimento dos exemplares.

Para Maria Cristina Castilho Costa, coordenadora do Observatório de Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura da USP, contudo, não é possível falar de censura neste caso porque a obra continua disponível em livrarias e bibliotecas.

“Mas convivemos com casos indiretos de censura. Principalmente por via judicial ou quando, para evitar um processo, alguém retira o seu conteúdo de circulação.” Ana Paula Xongani diz não ser o caso de “Peppa”. “Estimulamos o debate. Censura não prevê diálogo.”

INFÂNCIA PROTEGIDA

O encerramento precoce da mostra “Queermuseu” em Porto Alegre (RS) após protestos, as acusações de pedofilia à performance “La Bête” em São Paulo, a proibição de menores de 18 anos na exposição do Masp “Histórias da Sexualidade” –o museu voltou atrás– e o recolhimento de livros infantis têm mais coisas em comum do que o ano de 2017.

Todos usam como justificativa uma proteção à infância. “Uma das principais desculpas para a censura é a segurança. Você comete uma violência justificando que certos setores estão em perigo”, diz Maria Cristina Castilho Costa, que coordena o observatório sobre censura da USP.

Segundo ela, há diversos casos no país de censuras indiretas, seja por decisões judiciais ou por uma autocensura ante o medo de ser processado. “É uma ‘censura togada’, que gera desconfortos. As instituições podem enfrentar o problema ou retirar seus conteúdos. Em geral, preferem o segundo.”

Mas há também pleitos feitos sem violência, como o que levou ao fim da “Queermuseu”.

 

Neste ano, por exemplo, a Companhia das Letras recebeu uma autuação do Ministério Público, que foi procurado pelo pai de um aluno de ensino médio, cuja escola havia adotado o livro “Meia-Noite e Vinte”, de Daniel Galera. A queixa referia-se a uma cena em que o personagem se masturba.

A Promotoria do Distrito Federal já havia pedido esclarecimentos à editora em 2015 sobre outro livro. Pais questionaram o conteúdo de “Aparelho Sexual e Cia.”, adotado por um colégio. A editora não comentou os casos. O livro de Galera segue normalmente em catálogo.

Já “Aparelho Sexual”, escrito por Zep (pseudônimo do autor suíço Philippe Chappuis) e traduzido para mais de dez idiomas, está indisponível. A obra fala com crianças sobre sexo e foi tema de vídeo do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) em 2016. Ele diz que o título “é uma porta aberta para a pedofilia” e afirma equivocadamente que foi comprado por programas federais como o PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola) e o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) –na verdade, foi comprada pelo MinC (Ministério da Cultura) para bibliotecas.

Na mesma época em que pediu o recolhimento de “Enquanto o Sono Não Vem”, o governo anunciou que alteraria as regras do PNLD.

Até este ano, a escolha dos livros distribuídos nas escolas era feita por universidades públicas. Agora, professores podem se inscrever diretamente no MEC para participar da seleção. Páginas vinculadas a grupos como o MBL e o Escola Sem Partido vêm incentivando simpatizantes a se cadastrarem.

“É um escudo. Em futuras polêmicas, o MEC pode dizer que a escolha do livro não foi do governo, mas da sociedade”, avalia Volnei Canonica, que, entre 2015 e 2016, foi diretor do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca do MinC e secretário-executivo da pasta.

Outra mudança significativa é a possibilidade de compra, além do livro didático, de obras literárias, softwares, jogos educacionais e outros materiais pedagógicos. De acordo com o MEC, as novidades trarão “maior participação da comunidade educacional e avanços pedagógicos”. “Mas o orçamento não mudou, o que pode impactar diretamente na qualidade dos livros comprados”, pondera Canonica, que é atual diretor do Centro de Leitura Quindim.

 


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‘Literatura indígena é sempre militante’, diz Daniel Munduruku; leia entrevista https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2017/03/06/literatura-indigena-e-sempre-militante-diz-daniel-munduruku-leia-entrevista/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2017/03/06/literatura-indigena-e-sempre-militante-diz-daniel-munduruku-leia-entrevista/#respond Mon, 06 Mar 2017 17:13:46 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2017/03/FotorCreated-180x70.jpg http://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=1231 Daniel Munduruku gosta de dizer que pegou gosto pela leitura por causa de uma aranha. Ainda criança, uma de suas obrigações era organizar a biblioteca de sua escola. Só que não importava o quanto ele limpasse: uma aranha todos os dias fazia uma teia na mesma prateleira, sobre o mesmo livro. Era só abrir a biblioteca e lá estava a trama pegajosa. Até que o garoto, intrigado, resolveu dar uma olhada na obra de que o inseto tanto gostava. E foi então que leu pela primeira vez “O Pequeno Príncipe”.

De lá para cá, Munduruku não se tornou apenas um leitor –virou também um escritor que, neste ano, completa 20 anos de carreira com diversos prêmios, entre eles o Jabuti e o da Academia Brasileira de Letras. Suas histórias para crianças e adolescentes giram em torno da temática indígena, e não apenas sobre os mundurucus, povo ao qual o autor pertence, mas sobre diferentes culturas e aldeias que existem no Brasil.

O último livro a ser lançado foi “Vozes Ancestrais”, da editora FTD. Nele, o autor reúne dez contos indígenas de dez povos diferentes, dos umutinas aos tabajaras. Ao contrário de grande parte dos título infantojuvenis, ele não traz ilustrações: é composto por fotografias em preto e branco de cada um desses povos brasileiros.

“Vozes Ancestrais” foi um dos 120 livros selecionados pela FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil) para compor o catálogo brasileiro da Feira de Bolonha, um dos mais importantes encontros de literatura infantojuvenil no mundo, que acontece de 3 a 6 de abril na cidade italiana.

Leia abaixo entrevista com o escritor.

 

*

NOME Daniel Munduruku // IDADE 53 anos // LIVROS RECOMENDADOS “Vozes Ancestrais”, “Histórias de Índio”, “Um Dia na Aldeia” e “Foi Vovó que Disse”

FOLHA – O livro “Vozes Ancestrais” demorou mais que o previsto para sair?

Daniel Munduruku – Começamos a prepará-lo cinco anos atrás, com um projeto ambicioso. A ideia era convidar cerca de 20 narradores indígenas, sendo que cada um contaria uma história tradicional de seu povo em português e em sua própria língua. Mas ficou muito difícil de concretizar. Primeiro por causa da distância geográfica entre esses contadores. Depois porque muitas das pessoas que pensamos em convidar não tinham proximidade com a escrita. Seria necessário gravar e transcrever cada uma das histórias. Um trabalho hercúleo.

Além disso, tivemos uma série de questões sobre a autorização de uso das narrativas. Alguns convidados preferiram não ceder o direito de publicação, porque isso só seria possível após consultar o conselho de suas aldeias. Então fomos obrigados a reduzir a ideia original até chegar a dez histórias, apenas em português, mas que contemplam todas as regiões brasileiras.

 

Assistimos a um crescimento no número de escritores indígenas, principalmente para crianças?

Esse movimento começou há quase 20 anos. Tanto que existe um encontro nacional de escritores indígenas, que neste ano chega a sua 14º edição. Como sempre tivemos apoio da FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil), é natural que a maior parte desses autores passasse a se dedicar a escrever histórias para crianças e adolescentes.

Mas claro que isso vem ganhando uma proporção grande, até inesperada. Atualmente temos cerca de 35 autores indígenas que escrevem para o mercado editorial nacional –o que representa cerca de 150 títulos. Isso sem falar nos que publicam para o povo ao qual pertencem. São obras mais didáticas, que muitas vezes nem são traduzidas para o português.

Além disso, alguns editais do governo foram lançados nos últimos anos [para compras de livros infantojuvenis com temática indígena], o que, de certa maneira, contribuiu para difundir a nossa literatura. Foi criada no mercado toda uma demanda que deu preferência por títulos feitos pelos próprios indígenas.

 

Um desses editais foi o PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola, do Ministério da Educação) de 2015, que previa a compra governamental de livros com temática indígena e cujo resultado nunca saiu. Houve um excesso de livros lançados pelas editoras nessa época?

Nem todos os livros lançados por indígenas são bons, obviamente. Muitos dos que foram feitos na pressa para serem inscritos nos editais acabaram tendo pouca qualidade literária e editorial.

Mas o fato é que esse movimento cresceu e continua crescendo. Mesmo com todas essas notícias não muito boas vindas do Planalto. Hoje vemos uma paralisia em torno dos editais, o que deixa muitas editoras em maus lençóis.

Só que nós não publicamos livros para vender. Nossa preocupação é ajudar a sociedade brasileira a pensar melhor sobre as questões indígenas e fazê-la conhecer as suas populações. Por isso também que os autores têm preferência pela literatura infantojuvenil, pois o melhor lugar para essa mudança de mentalidade é a escola. É ali que a gente consegue transformar o olhar.

 

Ainda há uma visão estereotipada dos povos indígenas na educação?

Na educação tudo é muito lento. Mas a sala de aula vem mudando a sua abordagem. É algo quase imperceptível, porque a grande mídia e a própria formação do professor acabam jogando contra isso. O educador estudou, na maioria das vezes, em bases pedagógicas antigas, que reproduzem o estereótipo e o preconceito. Esse é o grande nó, o grande gargalo dessa questão.

 

Esse gargalo é igual em escolas públicas e particulares?

O grande desafio de mudança de mentalidade está nos colégios públicos. Porque os particulares, a gente goste ou não, acabam se instrumentalizando muito mais para trabalhar essa e outras temáticas. Eles têm mais capacidade de formação para preparar seus educadores. Isso gera uma mudança considerável de postura.

Mas digo em linhas gerais. Há muitas escolas do governo comprometidas, com professores extremamente empenhados em fornecer aos alunos uma visão crítica sobre os indígenas, longe do estereótipo. Isso só reforça o papel da literatura nessa mudança do olhar.

 

E como desatar o nó dessa questão?

Uma das maneiras que se encontrou foi a lei 11.645/08 [que estipula o ensino sobre culturas afrobrasileira e indígena nas escolas]. Ela coloca o indígena como um ser da contemporaneidade e não como alguém que pertence ao passado. Só que tem gente que se incomoda com isso. A casa grande treme quando vê a senzala. As políticas de afirmação foram fundamentais para as populações indígenas e para a própria literatura, mas há um risco a elas no horizonte.

Um exemplo é esse governo e a sua reforma do ensino médio, que promoveu uma mudança na obrigatoriedade das disciplinas que tratam da temática indígena em sala de aula, como história, filosofia e sociologia –ou seja, as interfaces desse debate. Meu temor é que a gente dê um ou dois passos para trás. Eu não me surpreenderia nem mesmo que a lei fosse derrubada.

 

De um ponto de vista mais amplo, como vê a questão indígena sendo tratada pelo governo de Michel Temer? Houve a troca no comando na Funai, por exemplo.

Olha, não me surpreendo com nada. Esse governo faz todo tipo de retrocesso e anda para trás. Por pouco eles não nomearam um militar para presidir a Funai. Para amenizar, indicaram um pastor. Estamos entregues às raposas. Na verdade, a própria Funai já deu o que tinha que dar. Se ela não pode ser entregue nas mãos dos indígenas, é uma instituição que não tem sentido.

Daqui a pouco, o governo vai discutir a exploração mineral dentro das demarcações indígenas, leis de produção agrícola dentro de áreas de conservação e aí por diante. Eles vão fazer o mesmo que faziam os bandeirantes: caçar índio.

 

Qual o papel do escritor indígena nesse cenário? É o de militante?

A literatura por definição não tem que ter papel nenhum. Ela é uma manifestação criativa. Mas acho que, especificamente, a literatura indígena é sempre militante sim. O que eu faço é militância. Os livros mostram a nossa realidade, mantêm um caráter de denúncia e uma postura política aguerrida. Estamos falando de povos que sofrem há 500 anos.

Mas é bom lembrar que escrevemos para crianças e jovens. Precisamos sempre dosar as palavras para não criar no leitor uma postura defensiva ou agressiva em relação à sociedade brasileira.

 

Parece que há uma preocupação maior sua em escrever para adolescentes.

Eu venho pensando em me comunicar cada vez mais com a juventude. Porque aquelas crianças que leram meus primeiros livros são adolescentes ou até adultos hoje. De alguma maneira, eles precisam ter esse conteúdo renovado de uma forma mais madura e reflexiva.

 

“Vozes Ancestrais”

Autor Daniel Munduruku

Editora FTD

Preço R$ 46 (2016; 80 págs.)

Leitor intermediário + leitura compartilhada

 


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Editoras apostam em clubes de leitura e até em vaquinhas após o fim das compras do governo https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2017/01/23/editoras-apostam-em-clubes-de-leitura-e-ate-em-vaquinhas-apos-o-fim-das-compras-do-governo/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2017/01/23/editoras-apostam-em-clubes-de-leitura-e-ate-em-vaquinhas-apos-o-fim-das-compras-do-governo/#respond Mon, 23 Jan 2017 05:00:14 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2017/01/JUJUBA-1-180x120.jpg http://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=1061 Era uma vez um grupo de empresas e uma galinha dos ovos de ouro que permitia a todas ganhar muito dinheiro. Mas um belo dia a ave mágica desaparece, e muitos dos que viviam à suas custas começam a passar fome e a ter de se virar para sobreviver.

Se a história das editoras brasileiras especializadas em obras para crianças fosse um conto de fadas, ele seria mais ou menos desse jeito. Só que, no lugar da galinha dourada, estariam o governo brasileiro e as suas generosas compras de livros. As aquisições podiam chegar a milhares de exemplares de cada título e render milhões de reais todos os anos às empresas.

Podiam. Isso porque, principalmente a partir de 2015, as compras governamentais para abastecer bibliotecas e escolas minguaram nas esferas federal, estadual e municipal —até quase desaparecerem com a crise econômica em que o país mergulhou.

“Foi um desmonte no nosso mercado”, diz Daniela Padilha, editora da Jujuba, que desde 2010 lançou 36 livros (na imagem acima, ela aparece em foto na sede da empresa, em São Paulo).

Para se ter uma ideia do tombo, de acordo com dados da CBL (Câmara Brasileira do Livro) e do Snel (Sindicato Nacional dos Editores de Livros), 2014 produziu 37,3 milhões de exemplares de literatura infantil; em 2015, esse número caiu para 12,5 milhões.

“Mas há uma parte boa. As editoras agora precisam diversificar as suas atuações para fechar as contas e continuar publicando”, afirma Padilha. A Jujuba espera lançar cinco títulos em 2017.

As companhias que não fecharam as portas começaram a apostar ainda mais na adoção de seus livros por escolas e clubes de leitura, em cursos pagos com autores da casa e até em vaquinhas na internet.

Tudo para continuar vivo num mercado com faturamento de R$ 1,56 bilhão em 2016 —sendo que 23% correspondem a obras infantojuvenis ou educacionais, segundo a pesquisa “Painel das Vendas de Livros no Brasil”, do instituto Nielsen e do Snel, divulgada neste mês.

 

LUZ NO FIM DO TÚNEL

Para Bruno Mendes, diretor comercial da consultoria #coisadelivreiro, ainda é possível ganhar dinheiro com livros no Brasil. “Mas é preciso operar no modelo mais enxuto possível”, ressalta.

As recomendações passam por vender pela internet e criar e-books, “que têm mais apelo com as crianças”, diz Mendes (leia outras dicas abaixo).

Não à toa as editoras menores trabalham com um número mínimo de funcionários. A Jujuba tem três pessoas fixas e os setores de divulgação e o financeiro terceirizados. A Carochinha, aberta em 2013, tem apenas dois editores e dois estagiários.

A casa, que nasceu na época em que o mercado já começava a descer a ladeira, projeta um catálogo de 40 títulos até o fim de 2017. A estratégia é apostar em histórias de personagens famosos (como os do canal do YouTube Mundo Bita), livros para bebês (que têm demanda crescente) e feiras internacionais.

“Hoje conseguimos vender lá fora. Contratamos até uma distribuidora em Miami para atender imigrantes”, conta Naiara Raggiotti, 39, editora da Carochinha com Diego Salerno Rodrigues, 35.

No ano passado, os dois apostaram em um financiamento coletivo na internet para publicar “Resgate Animal” e arrecadaram pouco mais de R$ 10 mil. “Íamos lançar de qualquer jeito. Mas o ‘crowdfunding’ pagou uma parte dos custos”, diz Salerno.

Outras editoras também veem com bons olhos modelos alternativos, como os de coedição, em que empresas dividem os custos e os lucros. “É preciso se reinventar, como todos os setores em crise”, afirma Luís Antonio Torelli, presidente da CBL.

Mas a entidade tem esperança de que as compras do governo voltem. “O MEC está redefinindo as seleções. A situação é mais caótica nos municípios, que mal têm dinheiro para os uniformes, imagina para livros”, diz Torelli.

Segundo o ministério, alguns programas já foram retomados e R$ 102 milhões foram destinados para aquisições de obras literárias do Pnaic (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa).

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Diego Salerno e Naiara Raggiotti, da editora Carochinha (foto: Zanone Fraissat/Folhapress)

 

*

 

LIVROS NO AZUL
Estratégias para ter uma editora saudável

Internet
Livrarias costumam pagar fornecedores só depois de venderem os livros. Então, priorize vendas pela internet, no próprio site ou em lojas “ponto com”, que compram os títulos. Aposte também em e-books, que economizam com impressão e distribuição

Curadoria
Pais geralmente dependem de uma curadoria para comprar livros. Crie um clube de leitura ou se associe a um já existente, se o catálogo for pequeno. As vendas podem chegar a milhares de exemplares

Escolas
Pense duas vezes antes de gastar dinheiro com divulgação escolar. Ela ajuda, mas gera compras pontuais que não se sustentam no longo prazo, já que no ano seguinte a escola pode não renovar a parceria e escolher histórias de outra editora

Caixa grande
A consignação das livrarias e os dilatados prazos de pagamento tornam difícil saber quanto se vai ganhar no fim do mês. Por isso, o ideal é ter um capital inicial de pelo menos R$ 150 mil (editoras pequenas) ou de R$ 500 mil (médias)

Fonte: Bruno Mendes, do #coisadelivreiro

 


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‘É a pior crise que já vi’, diz Eva Furnari, que lança livro inédito para crianças https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2016/08/25/e-a-pior-crise-que-ja-vi-diz-eva-furnari-que-lanca-novo-livro-para-criancas/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2016/08/25/e-a-pior-crise-que-ja-vi-diz-eva-furnari-que-lanca-novo-livro-para-criancas/#respond Thu, 25 Aug 2016 09:00:33 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2016/08/FotorCreated2-180x93.jpg http://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=369 Para as editoras, livrarias e organizações ligadas ao mercado livreiro, vivemos hoje uma das piores crises para o setor. A instabilidade econômica somada ao congelamento das compras do governo fizeram com que as vendas despencassem, principalmente as de obras infantojuvenis.

Para a escritora e ilustradora Eva Furnari, na verdade, essa é a pior crise já vista. “Não me lembro de tempos tão complexos quanto estes. As vendas para o governo sempre balanceavam as contas quando a economia não ia bem”, diz.

A autora volta a lançar um livro para crianças após três anos de hiato –mas não de pausa. “Passei esse tempo revisitando mais de 40 livros meus para relançá-los.”

A nova história, chamada “Drufs” (ed. Moderna), fala sobre diferentes famílias. Diferentes mesmo. A mãe da família Balum adora festas. A Suflê tem dois pais. Já o pai da família Zum morreu, e o da Tabelo Blu mora bem longe, lá em Shampulândia. A obra vai ser lançada na Bienal do Livro, que começa nesta sexta-feira (26), em São Paulo.

A escritora falou com exclusividade para o blog.

 

*

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NOME Eva Furnari / IDADE 67 / LIVROS RECOMENDADOS ‘Bruxinha Zuzu’, ‘Cocô de Passarinho’, ‘Listas Fabulosas’ e ‘Felpo Filva’ (ed. Moderna)

 

Folha – Ainda dá um frio na barriga na hora de lançar um novo livro?

Eva Furnari – Só se tiver de fazer discurso ou dar muitos autógrafos. [risos]

 

Como foi esse período sem criar novas histórias?

Passei três anos reformulando a minha obra. São mais de 40 livros, todos agora com a editora Moderna. Por um lado, foi muito trabalhoso, mexi em vários textos, tirei histórias do catálogo –algumas achei que não valiam a pena, outras eu detestava. Mas foi também uma alegria. Percebi que hoje sou muito mais capaz de criar uma história consistente do que no passado.

 

Parte das histórias estavam datadas?

Algumas coisas que eram engraçadas antes não fazem mais sentido hoje. A busca do escritor é sempre pelo universal. Por algo que daqui a 20 anos ainda faça sentido e tenha graça.

 

A sua volta, com “Drufs”, teve um projeto completamente diferente. Em vez de ilustrações, são fotos.

A ideia surgiu há bastante tempo, quando ia almoçar com meus filhos. Eu brincava de pegar a tampa do saleiro, por exemplo, e colocar na ponta do dedo, como se fosse um chapéu. Desenhava rostinhos até minha mão virar um conjunto de personagens. Então resolvi levar essa diversão ao livro.

Passei um ano pesquisando materiais. No começo, a ideia era fazer algo bem simples, que a criança pudesse reproduzir em casa. Mas fui sofisticando.

 

Mesmo assim, muitos dos personagens podem ser feitos em casa. É só pegar uma bexiga ou tampa de cola.

Sim. E várias outras ideias não entraram no livro. Fiz três vezes mais personagens. Tinha uma família de legumes, por exemplo.

 

Não ficou com saudade da ilustração clássica, com papel e lápis de cor?

É muito mais fácil desenhar que montar personagens nos dedos: eles derretem, desmotam, borram. Às vezes a ideia é boa, mas não acontece aquela magia depois de pronto. O desenho é mais controlável.

 

Os dedos do livro são seus?

Sim! Todos fotografados na minha casa. O fotógrafo levou dois meses para terminar o trabalho.

 

A história mostra diferentes famílias. Algumas com pai e mãe, outras com pais separados, dois pais, mãe sozinha. É uma forma de mostrar a realidade? Ou de quebrar certos preconceitos na criança?

Um pouco de cada. Não são apenas diferentes composições familiares, mas famílias com problemas ou que não param de brigar. Procurei colocar todo o discurso na boca dos personagens, que são crianças. Foi uma forma de ficar menos acadêmico e de abordar questões complexas de um mundo cada vez mais complexo de forma mais simples.

As diferenças existem, e é natural estranhar. Só que é preciso aprender a respeitá-las e a não julgar. Na verdade, parece um livro simples, mas foi supercomplexo de fazer. Acho que escrevi 50 vezes mais material do que entrou.

 

Costuma acompanhar a produção atual de livros infantojuvenis?

Quando dá tempo. Muita coisa é lançada, e sempre estou produzindo algo novo.

 

Muita coisa é lançada, mas as vendas estão em queda. Houve outra crise como a que estamos vivendo?

É a pior que já vi. Não me lembro de tempos tão complexos quanto estes. As vendas para o governo sempre balanceavam as contas quando a economia não ia bem.

Mas acho que vai ser passageiro. O governo precisa primeiro olhar para a economia como um todo e, com os problemas resolvidos, se debruçar sobre a educação. É importante voltar a comprar livros. Não somente para o mercado, mas principalmente para as escolas. Sou uma pessoa otimista.

 

Qual o papel da escola e da educação na hora de criar uma nova história?

A literatura é fundamental na escola de hoje, que é menos autoritária, para falar das questões humanas. Mas, na hora de criar, não penso em nada. Nem mesmo na criança. Preciso me divertir, senão não funciona.

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“Drufs”

Autora Eva Furnari

Editora Moderna

Preço R$ 40 (2016; 32 págs.)

Leitor iniciante + leitura compartilhada

Lançamento na Bienal do Livro, que começa na sexta (26). A autora autografará a obra no domingo (4/9), às 15h30

 


 

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Bienal aposta em saldão e em multidões para driblar a crise https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2016/07/26/bienal-aposta-em-saldao-e-em-multidoes-para-driblar-a-crise/ https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/2016/07/26/bienal-aposta-em-saldao-e-em-multidoes-para-driblar-a-crise/#respond Tue, 26 Jul 2016 07:00:44 +0000 https://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/files/2016/07/Garotinha-alcanca-livro-em-pratileira-na-22-Bienal-Internacional-do-Livro-em-Sao-Paulo-no-pavilhao-do-Anhembi-no-primeiro-final-de-semana-aberto-ao-publico-Foto-Eduardo-K-2-180x125.jpg http://eraoutravez.blogfolha.uol.com.br/?p=206 A crise e a queda na venda de livros no Brasil acenderam o sinal amarelo para a Bienal do Livro de São Paulo. O evento deve apostar neste ano em promoções e descontos, além de em táticas para tentar atrair um número ainda maior de visitantes –e assim buscar ao menos manter o número de vendas da última edição.

“As editoras estão preparadas. Muitas estão esperando que a Bienal seja um fôlego para o caixa da empresa”, diz Luís Antonio Torelli, presidente da CBL (Câmara Brasileira do Livro), entidade que organiza a Bienal. A 24ª edição ocorrerá em São Paulo de 26 de agosto a 4 de setembro.

Em 2015, as editoras viram as vendas de livros terem a pior queda desde 2002, segundo a pesquisa “Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro”. O levantamento, encomendado pela CBL e pelo Snel (Sindicato Nacional dos Editores de Livros), apontou que o mercado livreiro encolheu 12,6% no ano passado.

O destaque negativo foi justamente o livro infantojuvenil. No total, foram produzidos 33,5 milhões de exemplares a menos nesse segmento, se comparado a 2014 –a principal justificativa é o governo federal não ter aberto o edital do PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola), ou seja, das compras governamentais de obras para crianças e adolescentes que são um dos principais pilares do modelo de negócio de editoras que apostavam nesse tipo de livro.

O ano de 2016 não dá sinais de melhora. A última pesquisa, divulgada há menos de dez dias, mostrou que nos primeiros seis meses deste ano, as vendas de livros caíram 16,3% em volume e 6,94% em faturamento, em comparação com o mesmo período de 2015.

 

É nesse turbilhão que a Bienal de São Paulo vai acontecer. Além dos descontos, que devem ser oferecidos pelas editoras a fim de aumentar o volume das vendas, a organização do evento está tomando iniciativas para conseguir reunir um número ainda maior de pessoas, na esperança de que isso se reflita no faturamento.

Para isso, a Bienal deste ano terá mais espaços para autógrafos de escritores-celebridades, corredores mais largos, mais banheiros e vendas de ingresso pela internet.

Na programação, há nomes de youtubers como Kéfera, Lucas Rangel, Maju Trindade e Pedro Rezende, do canal RezendeEvil, que devem atrair grande público. Todos lançaram livros e são os queridinhos atuais das editoras, que enxergam neles a possibilidade de um sucesso editorial que se assemelhe ao dos livros de colorir de 2015.

“Temos que dosar na programação a Kéfera e o autor que ganhou o Jabuti. A Bienal precisa atrair todos os públicos e gerar novos leitores”, diz Torelli.

Com mais gente, aumenta a preocupação para evitar casos de assaltos, como os da quadrilha suspeita de roubar 45 celulares na Bienal de 2014. Para coibir furtos, o evento contará com uma base móvel da Guarda Civil Metropolitana.

Mais informações serão divulgadas nesta terça (26) para a imprensa.


 

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